António Dias, OBEGEF

Sim Alice, é caso para dizer… TUDO NA MESMA! E no que toca à luta contra a corrupção… TUDO NA MESMA, COMO A LESMA!

E sabem que mais… a história vai continuar a repetir-se!

No dia 01 de agosto de 2019 escrevi a minha primeira crónica do ciclo “Alice” que intitulei de “Alice no País da (maravilhosa) Corrupção”. Na altura, na sequência da conclusão da comissão de inquérito à CGD e após perceção pública de que foram autorizados negócios que vieram a ser ruinosos para os cofres do Estado, dei conta da estimativa dos custos associados à corrupção no nosso país, cerca de 18,2 mil milhões de euros por ano, uma enormidade equivalente a 7,9% do PIB.

Em paralelo, analisei os dados estatísticos associados ao crime de Corrupção em Portugal, tendo concluído que entre 2015 e 2018, de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna, foram iniciados 3453 inquéritos por Corrupção, sendo que só 128 deram origem a acusação, isto é, apenas 3,7%.

Por último, na tentativa de trazer à ordem do dia a discussão, alertei para o relatório divulgado pela GRECO (grupo de estados contra a corrupção) em que Portugal foi considerado o país com maior proporção de recomendações anticorrupção não implementadas, obtendo o último lugar entre 26 países Europeus.

Conclui a crónica expressando um sentimento de cansaço, que creio ser transversal a todos os Portugueses quando a discussão se centra nas ajudas estatais ao sistema financeiro, ainda que tenha terminado com uma mensagem de esperança.

Cerca de um ano depois, em julho de 2020, publiquei a crónica “Alice no País da (estupefacta) Desilusão”. Ainda que reconheça algum cinismo, referi-me à “estupefação” de diversos responsáveis políticos, governantes e instituições em resultado da injeção de capital do Estado no Novo Banco e de diversos escândalos em inúmeras entidades que levantavam suspeitas sobre o comportamento das suas lideranças.

À data, ainda que a lista não fosse exaustiva, antecipei que a TAP e o Novo Banco iriam necessitar de mais injeções de capital público. Não se tratou de uma mera intuição, foi apenas um exercício de reflexão que resulta da experiência dos últimos anos em que se constata, como temos visto, que nestas coisas a história tem tendência para se repetir.

Na mesma crónica, desta vez com mais pormenor, voltei a mencionar o relatório GRECO onde à data de 31 de dezembro de 2019, Portugal continuava a ser um aluno rebelde tendo implementado integralmente apenas uma das quinze recomendações emitidas, ou seja, um grau de cumprimento de apenas 6,7% que nos mantinha no grupo de 15 países com baixo nível de cumprimento das recomendações relativas a deputados, juízes e magistrados.

Face a este resultado, não resisti ao desabafo… “Em casa de ferreiro, espeto de pau” e utilizando uma frase que se tornou corrente por causa da pandemia, antecipei que “na próxima crónica tudo será como dantes”.

Pois bem, chegou o momento de uma nova reflexão. Serei telegráfico:

- A corrupção continua a atingir Portugal, em 2020 foram iniciados 688 inquéritos por corrupção, suspensos provisoriamente 259, concluídos 1280, sendo que 43 deram origem a acusação (apenas 3,36%);

- A ajuda estatal às empresas, entre as quais o Novo Banco e TAP, contínua (e não se trata de apoios à retoma económica na sequência da pandemia);

- Os escândalos que envolvem empresas continuam a alimentar as páginas dos jornais, entre outros, por exemplo o caso das Barragens da EDP;

- O último relatório GRECO apresenta algumas melhorias, três das quinze recomendações foram consideradas implementadas de forma satisfatória, sete consideradas parcialmente implementadas e cinco continuam por implementar (uma sobre membros do parlamento, duas sobre juízes e duas sobre o ministério público). O GRECO conclui que o atual nível de cumprimento das recomendações já não é "globalmente insatisfatório", ainda que não seja satisfatório.

E antes de avançar, concluo que de facto, a história repete-se e tudo está quase “como dantes”. Mas para não suscitar interpretações erróneas que resultem do otimismo que a frase suscita no contexto da pandemia, desta vez a Alice está no País do “Tudo na Mesma”.

Admitindo que posso desiludir alguns leitores, lamento, mas não me irei referir à pronúncia de acusação do caso de corrupção mais mediático em Portugal, a Operação Marquês. Já se disse tanto e ao mesmo tempo tampouco! Aparecem comentadores vindos de toda a parte, partilham-se lugares-comuns, sucedem-se entrevistas e indignações, fazem-se petições que em nada resultam, põe-se em causa o sistema judicial, o estado de direito e a própria democracia… e ao mesmo tempo, o silêncio é ensurdecedor. É este silêncio, transversal aos mais altos poderes institucionais, que é preocupante e permite antecipar que, mais uma vez, vai ficar “Tudo na Mesma”.

Por último, para memória futura da Alice e dos leitores, foi recentemente aprovada (sendo atualmente bastante badalada, ainda que há pouco tempo poucos estivessem atentos) a Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024. Uma primeira nota para a curiosidade da designação, uma vez que muito pouco foi até agora traduzido em atos concretos, recordo que 2021 já vai a meio. E em 2024, vamos ter uma nova estratégia ou será que iremos concluir que ainda está “em estudo ou em vias de implementação”? Passarão tantos anos como os necessários para definir o local do novo aeroporto de Lisboa?

Uma segunda nota. Nesta estratégia, não há qualquer referência ao conceito de enriquecimento ilícito ou injustificado, ainda que seja certo que muitas vezes resulta de atos de corrupção. Não se entende!

Sim Alice, é caso para dizer… TUDO NA MESMA! E no que toca à luta contra a corrupção… TUDO NA MESMA, COMO A LESMA!

E sabem que mais… a história vai continuar a repetir-se!