Jorge Fonseca de Almeida, OBEGEF
Implementar um plano de recuperação desta dimensão sem uma estratégia contra a corrupção é como tentar atravessar uma autoestrada muito movimentada várias vezes seguidas. Acaba mal.
Depois de encomendar a estratégia de recuperação a um único indivíduo e lhe dar um tempo mínimo para a elaborar, o Governo aprovou o Plano de Recuperação sem qualquer estudo prospetivo e sem o blindar com uma sólida estratégia anticorrupção que evite a fraude e a drenagem dos fundos para fins ilícitos de enriquecimento pessoal.
Nunca é demais recordar os três pilares da corrupção: a Oportunidade, a Justificação e a Pressão. É na confluência destes três pilares que se cria uma situação favorável ou desfavorável à corrupção.
Ora nos tempos que correm todos estes pilares se encontram em máximos históricos, logo muito favoráveis a situações de corrupção e fraude. Vejamos:
- Nunca a Pressão da recessão e do retraimento económico foi tão grande sobre as empresas – Portugal sofreu em 2020 a maior recessão desde os anos 60 do século passado. Empresas e empresários procuram desesperadamente fundos que lhes permitam sobreviver.
- Nunca a Oportunidade atingiu a atual dimensão. Os volumes de fundos postos à disposição do país, em subvenções e em empréstimos, são muito elevados e o prazo para os investir relativamente pequeno (5 anos). Muito dinheiro para pouco tempo parece uma excelente oportunidade para toda a sorte de corruptos. A falta de punição em situações anteriores aumenta a Oportunidade.
- As Justificações para a fraude já proliferam, recorrendo às célebres desculpas: “O dinheiro perdia-se”, “É melhor salvar postos de trabalho”, “Rouba mas faz”, etc.. Existe todo um entorno propício ao fechar de olhos, ao desvio da atenção.
Nestas circunstâncias, em que o perigo de se desbaratar os milhares de milhões de Euros de fundos estatais europeus é muito grande, exige-se uma estratégia e uma política firme de luta contra a corrupção e a fraude. Sem elas perderemos mais esta oportunidade histórica de recuperar e modernizar a economia portuguesa e preparar o futuro de forma mais inclusiva e economicamente sólida.
Portugal tem já o segundo salário médio horário em paridade de poder de compra mais baixo da União Europeia (só a Bulgária tem ordenados mais baixos). Está a ser ultrapassado por todos os países que há alguns anos alcunhávamos de forma soberba de “pobres” – em 2020 foi a República Checa que nos ultrapassou.
Se estes fundos públicos europeus forem desbaratados como o foram outros no passado, Portugal será, em menos de 10 anos, um dos países mais pobres da Europa.
Mas que faz o Governo? Alertado por várias entidades da sociedade civil, o Governo está determinado a avançar sem cautelas e sem precauções. A falta de vontade política é gritante. Implementar um plano de recuperação desta dimensão sem uma estratégia contra a corrupção é como tentar atravessar uma autoestrada muito movimentada várias vezes seguidas. Acaba mal.