Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

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I

Alberto tem insónias e nos períodos em que está desperto recorre com muita frequência a determinados sites com jogos, comportando-se de definida forma, quer em relação ao desenvolvimento do jogo quer aos anúncios que aí aparecem com frequência.

Bernardo corre sistematicamente perigo de vida por motivos de saúde, pelo que tem incorporado uma transmissão sistemática de dados sobre a sua actividade biológica para uma determinada clínica.

Carlota passa em média quatro horas diárias consultando os seus «amigos» no Facebook e no Twitter sobre determinados assuntos relacionados com as notícias diárias. Por isso quantos mais «amigos» possuir com certas características melhor.

Daniel é um individuo muito sistemático: levanta-se, toma o pequeno-almoço, vai para o emprego e quando chega telefona à esposa. Depois pega no carro, servindo este para ir onde bem entende e às compras antes de regressar a casa.

Eduardo é taxista, usa por hábito o telemóvel para ver qual o melhor trajecto solicitado pelo cliente àquela hora.

Fernando gosta de conviver sempre que tem tempo disponível, sendo possuidor de carro próprio, dos últimos modelos.

Gabriel faz as compras online mas a sua esposa, Helena, prefere deslocar-se às diversas lojas.

Isabel, tem, como todos com o seu estatuto social diversos electrodomésticos, incluindo um televisor e sempre que o liga corre alguns canais e pára naquilo que mais lhe agrada.

Jacinta está frequentemente em conflito com a mãe porque, segundo esta, passa demasiadas horas no escritório.

Leonel, entusiasmado pelo ataque às Torres Gémeas, considera que o terrorismo tem uma palavra a dizer no futuro da humanidade, acompanhando tudo que acontece.

Margarida tem-se revelado uma empresária de sucesso na sua diversificada actividade. Tem conseguido margens de lucro notáveis no meio em que se insere.

Nuno, apesar da sua vida agitada, conseguiu ingressar na vida política e as actividades exercidas nas autarquias e, depois, na Assembleia da República agradam-lhe, embora tenda a diluir a fronteira entre o que é a sua actividade privada e pública.

Olga mostrou alguma paixão pelo futebol, suficiente para hoje ser uma jogadora mediana de uma equipe federada.

Patrícia é uma apaixonada pelo Netflix e, diga-se de passagem, não apenas por amor pelos filmes, mas tem encontrado aí coisas uteis para a sua actividade científica.

Queirós, preocupado com o seu bem-estar não abdica da sua corrida, de alguns quilómetros, todos os dias, faça chuva ou sol.

Rita comprou uma pulseira que permite calcular, em articulação com o telemóvel, uma série de dados sobre a sua situação física: ritmo cardíaco, passos que deu, horas de sono, etc...

Sandro é fotógrafo profissional, com algum sucesso e, muita clientela na região.

Telma é ainda uma criança, muito depende das redes sociais: filmes para comer e adormecer são uma importante parte da sua vida.

Umblina tem paixão em «contrariar a opinião generalizada». Para tal criou um perfil falso em várias redes sociais e, com este recorre a certos amigos para obter imagens, às vezes mesmo já censuradas e retirados da plataforma, para divulgações das suas opiniões, independentemente da sua veracidade.

Vanda é aluna de uma Faculdade e gaba-se de ter conseguido encontrar uma via de todos os dias saber de novas notícias, utilizando alguns «amigos» do Facebook.

Zélia compreendeu desde cedo que não podia autorizar a existência de cookies no seu computador, telemóvel e tablet sem ver o que estava a fazer, mas ao ler o artigo científico que concluía que “pesquisaram os 75 sítios mais populares, verificaram que no trabalho e em casa usamos em média ainda mais do que esses e concluíram que precisaríamos de 244 horas para ler as suas normas” [1] deixou-se desse trabalho.

 

II

Há fortíssima probabilidade de quase tudo o que eles fazem, e que de alguma forma estão correlacionados, podendo ser objecto de observação e quantificação, dando lugar a milhões de giga bites de informação, utilizáveis pelas «redes sociais» para os seus propósitos comerciais, porque:

  • As «redes sociais» são como vimos (https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/como-se-comportar-com-as-redes-sociais-13408979.html) frequentemente utilizadas, com muitas motivações. “Na Europa, há agora 305 milhões de pessoas todos os dias no Facebook. E são as crianças e adolescentes que usam mais intensamente o conjunto das redes para viverem o dia a dia.” Mais, “quanto mais tempo nas redes, maior essa sensação de isolamento” [1], aumentando consequentemente a sua utilização;
  • as ligações informáticas estão presentes actualmente em toda a informação;
  • os próprios carros têm cada vez mais ligações electrónicas a tal ponto que é de admitir no futuro a sua utilização para fins diversos (bons e maus), como tem vindo a ser analisado por diversas instituições;
  • “Enquanto estamos em casa ou no trabalho ou nos deslocamos, o nosso telemóvel pode estar a registar a nossa geo­localização, nas ruas as câmaras de segurança vão sendo acopladas a programas de reconhecimento facial” [1];
  • As redes sociais, com destaque para o Google “(78%)” [1], estão frequentemente disponíveis a comprar informações personalizadas a programas com dados que lhes sejam comercialmente convenientes: “Journal of the American Medical Association detectou que um quinto das apps de saúde, em particular as de diabéticos, partilhava informação pessoal com empresas sem conhecimento dos utilizadores” [1]

 

III

Porque o lucro é o principal objectivo das «redes sociais», porque da sua actividade resulta muitos aspectos negativos (”as fake news podem gerar 100 vezes mais visualizações do que as notícias verdadeiras” [1]), porque põe em causa a democracia que amamos, mas porque já vimos que as «redes sociais» existem e tendem a reforçar-se a pergunta que deixamos no ar é “que fazer?”

 

Nota bibliográfica

[1] Francisco Louçã, O Novo Mundo dos Mandarins das Redes Sociais, Revista do jornal Expresso, 2524.