Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

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Na nossa última crónica neste jornal mostrámos como todos nós somos as cobaias das redes sociais [https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/todos-nos-somos-as-cobaias-13308387.html]. Particularmente do Facebook (incluindo o Instagram e o WhatsApp) com cerca de dois biliões e meio de utilizadores em 2019, e do Google. Contudo essa situação não é um maquiavelismo daquelas redes, mas o resultado legítimo  de vivermos numa economia que visa o lucro (o que não significa a louca expansão do lucro nos períodos de crise económica, como o que se registou neste ano de confinamento generalizado) e de todos nós usufruirmos do resultado do investimento daquelas, e de outras sociedades, sem qualquer custo: contactamos com pessoas em todo o mundo, traduzimos quaisquer textos de uma língua para as outras, temos um ou vários endereços de email, programas para analisarmos o seu conteúdo, recebermos e enviarmos, temos uma informação detalhada sobre qualquer região do Globo, etc.. Um etc. imenso que daria para enchermos muitas páginas de texto, tal a lista imensa das vantagens que todos nós podemos usufruir.

Falamos em vantagens, mas também encontramos muitos aspectos negativos na actividade dessas redes sociais, podendo apresentar como exemplos o terrorismo, as flagelações e os suicídios e as notícias falsas (como, por exemplo, o plano «governamental de desconfinamento» surgido no mesmo dia em que a Assembleia da República portuguesa votava o confinamento), entre uma panóplia de possíveis referências. A utilização feita pela Cambridge Analytica está bem presente na memória de todos, assim como na influência que tem tido no crescimento do populismo.

A conjugação dos aspectos positivos e negativos das redes sociais mostra inequivocamente uma necessidade de maior preparação dos utilizadores das mesmas e um controlo da sociedade politicamente organizada sobre o seu funcionamento (havendo que debater e saber como).

Contudo não é o detalhe desta situação que visamos nesta crónica, mas tão somente saber se é possível, ou não reduzir a utilização actual das redes sociais, nomeadamente do Facebook,. Para tal temos a posição moralizadora, e fundamentada, de Lanier (2020) e o trabalho empírico de Lupton & Southerton (2021) sobre os australianos:

1. Segundo Lanier a força do Facebook é actualmente imensa e a forma de a vergar («forçá-la a mudar o seu modelo económico» p. 165) só é viável se grande parte dos cidadãos do nosso planeta deixarem as redes sociais, sendo tal «um acto de resistência face às loucuras da nossa época» (p. 35). Faz este apelo fundamentado sabendo da importância que hoje tem a comunicação à escala planetária:

«Como podereis sobreviver sem redes sociais? Eu não vos conheço e por isso não posso responder-vos (e vocês devem fazer prova de imaginação) mas de uma maneira geral não rejeitem a Internet. Utilizem-na. A Internet não é, em si, um problema» (p. 164).

2. A recolha de elementos investigados por Lupton & Southerton realizou-se na Austrália, que tem uma das taxas mais elevadas de utilização das redes sociais, quando o escândalo da Cambridge Analytica ainda estava vivo na memória de todos, embora não fosse assunto abordado nas entrevistas. As dúvidas e o descontentamento foi grande mas múltiplos factores fizeram com que a maioria se mantivessem na plataforma, revelando-se o importante que «o Facebook desempenha na vida social de muitos utilizadores, sugerindo que a plataforma está profundamente enraizada na manutenção das relações sociais» (p. 5) de múltiplos tipos. Enfim, «o Facebook é muitas coisas» (p. 14 ) e

«os sentimentos dos participantes sobre o Facebook pouco tinham a ver com discursos mais amplos sobre os vários escândalos que assolaram a plataforma. Pelo contrário, emergiram dos encontros micropolíticos e das forças afectivas que as pessoas experimentaram no dia-a-dia com amigos e grupos do Facebook» (p. 12).

Como dizemos frequentemente, contra factos não há argumentos, pelo que há que recorrer a um controlo da sociedade politicamente organizada sobre o seu funcionamento. A pergunta que se levanta é: como?

 

Referências bibliográficas:

Lanier, J. (2020 [2018]). Stop aux Réseaux Sociaux - 10 bonnes résons de s'en méfier et de s'en libérer (G. Bardiaux, Trans.). louvain-la-Neuve: DeBoeck Superieur.

Lupton, D., & Southerton, C. (2021). The thing-power of the Facebook assemblage: Why do users stay on the platform? Journal of Sociology, 1440783321989456. doi:10.1177/1440783321989456