Daniel Espínola, Jornal i

 

A crise atual exige que os governos tomem medidas para garantir a integridade e a transparência nos processos de compras públicas.

A pandemia de Covid-19 vem obrigando os governos a tomar decisões rápidas e a implementar medidas rigorosas para proteger suas populações. Todavia, crises anteriores já demonstraram que situações emergenciais, e céleres respostas subsequentes,podem criar grandes oportunidades para violações de integridade, principalmente aquelas relacionadas à fraude e corrupção em contratações públicas.

Embora a fraude e a corrupção em compras públicas não sejam fenômenos novos, uma série de evidências tem nos mostrado que durante a crise atual elas estão ocorrendo em maior número e em cifras expressivas. Ante a urgência do momento, muitos governos têm-se prevalecido de exceções legais para justificar aquisições emergenciais de grandes quantidades de equipamentos hospitalares, ventiladores, desinfetantes, máscaras faciais, além de testes e vacinas, a fim de atender às necessidades imediatas do setor de saúde. O fato dessas compras não passarem pelos processos de controle padrão, mais minuciosos e demorados, pode aumentar os riscos de integridade na aquisição de serviços e bens, que poderão não atender aos padrões de qualidade ou mesmo serem adquiridos em meio à fraude e corrupção.

Além das dificuldades internas, a competição internacional pelos suprimentos médicos e vacinas tem afetado a disponibilidade desses bens em escala global. Os fornecedores são em pequeno número frente à demanda mundial e algumas medidas restritivas locais podem impactar na redução de suas linhas de produção. Isso exacerba a disputa entre os governos e empresas, facilitando a aquisição “às escondidas”, sem registros contábeis, e possivelmente mascarando práticas desonestas. Ademais, muitas negociações acabam por ocorrer em um mercado internacional com grande volatilidade de preços, levando muitos fornecedores a exigir adiantamentos significativos e sem a garantia de prazos para as entregas.  Da mesma forma, toda a cadeia de suprimentos também pode ser atingida, uma vez que muitos dos insumos dependem de outras matérias-primas, muitas vezes escassas, gerando uma série de potenciais riscos para essas contratações.

A atenção dada aos riscos das novas contratações, entretanto, não deve distrair os governos de suas preocupações com aquelas em andamento, sendo necessário identificar os potenciais riscos e viabilizar alternativas aos fornecedores que estejam enfrentando paralisações, redução de insumos e outras limitações às suas atividades. Os governos devem garantir que fornecedores com problemas possam retomar a entrega normal dos contratos assim que a pandemia for contida. Até lá, medidas excepcionais, previstas em lei, podem prever o pagamento de contratos em curso de forma antecipada ou isentar fornecedores de penalidades pela execução momentaneamente deficiente dos contratos.

A crise atual exige, portanto, que os governos tomem medidas para garantir a integridade e a transparência nos processos de compras públicas. Podemos destacar algumas estratégias a serem implementadas para auxiliar as autoridades contratantes na gestão de suas carteiras de fornecedores e preservar relações contratuais justas, transparentes e equitativas.

Um primeiro passo é garantir a transparência nas contratações durante todo esse período excepcional. Documentar a gestão dos contratos e procedimentos licitatórios em andamento deve ser preocupação prioritária. Por exemplo, podem ser dispostos e mantidos em um site específico todos os registros e informações sobre os procedimentos de aquisição, eventuais modificações dos processos normais de compras, informações sobre licitantes, avaliação de propostas e adjudicações de contratos relativos ao combate à pandemia. A utilização ou ampliação das plataformas de compras governamentais eletrônicas também podem facilitar o registro das informações.

Submeter os processos de aquisição para o período emergencial ao escrutínio das áreas de auditoria é mais do que necessário. As equipes responsáveis podem estabelecer sistemas de rastreamento de preços e bancos de dados de fornecedores para os principais produtos e serviços, ajudando a identificar sinais de alerta, como conluios, fraudes de preços, falsificações e outros comportamentos inadequados. Entretanto, faz-se necessário adaptar as estratégias tradicionais de auditoria pública para os processos de aquisição emergencial em tempos de isolamento social, tal como permitir o acesso remoto por auditores e órgãos de controle aos registros de aquisições, para que os trabalhos possam ser desenvolvidos, apesar das restrições à realização de inspeções físicas e análises em papel.

Em antecipação a todos os possíveis riscos, as organizações do setor público podem proativamente melhorar os controles preventivos à corrupção e fraude durante a pandemia. Além de dar transparência às contratações, uma boa prática seria garantir que todos os dados estejam disponíveis de uma forma aberta e reutilizável, permitindo o controle social. Criar ferramentas digitais e acessíveis podem permitir aos cidadãos acompanhar as compras emergenciais realizadas, verificando se estão em consonância com as medidas excepcionais dispostas na legislação, assim como apontar eventuais falhas não observadas pelos órgãos de controle.

À medida que os governos caminham para a imunização de suas populações, casos de fraudes e corrupção nas contratações públicas podem dificultar o controle da pandemia e minar esforços de contenção fiscal. Logo, é essencial fortalecer as salvaguardas fundamentais de integridade nas contratações públicas, tanto para as respostas imediatas, quanto para assegurar aos países, após a pandemia, uma sólida retomada econômica.