Nuno Magina, Jornal i

 

O país tem insistido numa visão demasiado jurídica do problema, concentrando a ação no crime que tem de ser investigado e não no evento a ser prevenido

“A luz do Sol é o melhor dos desinfetantes; a luz elétrica o polícia mais eficiente” é uma frase célebre de Louis Dembitz Brandeis - uma lenda do direito norte-americano, que foi juiz do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América entre 1916 e 1939. Ele foi um acérrimo defensor de mais transparência nos setores público e financeiro, argumentando que a opinião pública funcionava como “desinfetante dos germes transportados pelos políticos”, em grande parte na luta contra o clientelismo.

Desde então, o termo transparência tem servido internacionalmente como mote para melhores sistemas de governação. No que toca ao combate à corrupção esta palavra não tem sido usada em vão. Inúmeros estudos demonstram que quanto mais eficazes forem os mecanismos de transparência, menor será o risco de corrupção num determinado país. Casos de sucesso não faltam, com os países Nórdicos a surgirem como cabeças de cartaz.

Posto isto, o que é que Portugal tem feito para aumentar a transparência da coisa pública e com isso diminuir os ditos “germes”?

Bastante menos do que devia, a julgar pelo índice de perceção da corrupção (“Corruption Perception Index”) publicado pela Transparency International. No índice referente a 2020, Portugal ocupa o 33º lugar da lista dos países menos corruptos do mundo. Mesmo não recorrendo a índices internacionais para confirmar o óbvio, qualquer cidadão minimamente informado reconhece que algo vai muito mal no combate à corrupção.

O país tem insistido numa visão demasiado jurídica do problema, concentrando a ação no crime que tem de ser investigado e não no evento a ser prevenido. A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024, apresentada pelo Governo em setembro do ano passado, não vislumbra que a miopia seja corrigida assim tão cedo. Face à dificuldade em ver ao longe, torna-se difícil compreender que todos os cidadãos são afetados por este flagelo e que por isso têm um interesse especial em o prevenir. O acesso a informação de qualidade e o escrutínio público que sobre ela recai têm um poder “desinfetante” que vai muito para além do Código Penal.

Mas, na prática, mais transparência significa o quê?

Significa partilhar toda e qualquer informação relevante, numa forma que o cidadão a possa compreender e avaliar. Veja-se o caso das parcerias público-privadas, em que o Estado desembolsa largos biliões de euros todos os anos. Se alguém pesquisar na internet, vai acabar por encontrar dados avulsos sobre essas parcerias, como sejam os seus custos totais, durações ou obras subjacentes – autoestradas, hospitais, redes de abastecimento de água, etc. No entanto, dificilmente encontrará os modelos de engenharia financeira contratualizados com os parceiros privados, no fundo a arte do negócio. Esta lógica é válida para muitos outros temas sensíveis ao clientelismo político; como por exemplo, os processos de licenciamento que tanto abundam em Portugal.

Alguém perguntará, qual é o benefício de partilhar todos esses dados se quase ninguém os vai perceber?

Aqui reside o poder “desinfetante” da transparência. Primeiro, porque no meio dos milhões de portugueses com acesso à informação haverá sempre alguém capaz de decifrar um caso suscetível de corrupção, nem que não seja por via do jornalismo de investigação. Segundo, os intervenientes ao terem noção dessa possibilidade sentir-se-ão muito mais responsabilizados em cumprir as regras escrupulosamente, “o polícia mais eficiente” como diria Brandeis.

Ao investir em meios informáticos que facilitem a consulta rápida de todos esses dados, por exemplo num portal da transparência, potencia-se a sua análise por muitos mais cidadãos. No limite, não valeria a pena perder tanto tempo a falar de corrupção.