Tiago Marcos, Jornal i

 

O radicalismo e o populismo como voto de protesto não substituem o sentido cívico necessário à exigência de um poder judicial independente e com meios para controlar indubitavelmente a conduta de qualquer cidadão, em especial os titulares de cargos públicos.

Num país em que os extremos, ao fim de muitos anos, parecem cada vez mais voltar ao centro da vida política, suportados pelo aproveitamento político do descontentamento da população face às políticas e aos comportamentos verificados nos titulares dos vários órgãos de soberania ao longo do tempo, não se identificam quaisquer alterações naquela que tem sido uma apatia social quase generalizada à concentração de suspeitas, não dissipadas nem punidas, de fraude e corrupção, que, em especial, recaem sobre titulares de cargos públicos (presentes ou passados).

Na verdade, quando um destes casos é noticiado, somos inundados pelos diversos meios de comunicação social, até à exaustão, com pretensas notícias, pontos de situação, tentativas de aproveitamento político e comentários de especialistas, que teimam em publicitar situações não condenadas pelo poder judicial, como situações que devem ser consideradas de imediato como crimes contra a humanidade. Pelo meio desta indignação, são ouvidos alguns populares, escolhidos pelo seu vasto conhecimento sobre os temas em debate, que exigem as necessárias consequências por atos tão hediondos e mudanças imediatas na vida política.

No entanto… isto apenas é relevante até ser retomada a atividade futebolística semanal, ocorrer uma catástrofe natural, notícias de um novo alegado caso de fraude ou corrupção, ou até a notícias de um novo confinamento geral causado pela falta de coerência das políticas de combate à COVID-19. Neste momento, novos especialistas nas mais diversas matérias, alguns deles que já estiveram envolvidos em situações similares, vêm falar dos novos temas, fomentando a referida apatia popular sobre uma esquecida suspeita de fraude ou corrupção que continua sem estar devidamente julgada e, se for caso disso, condenada.

Aparentemente, esta situação até se verifica quando existem suspeitas que um ou mais titulares de posições-chave de um governo em funções, através do poder que lhe foi conferido pelo voto democrático, promovam a divulgação institucional de falsas verdades com o alegado intuito de que uma pessoa seja eleita como procurador europeu. Realço que, não sendo especialista, não peço a imediata condenação dosenvolvidos, pedindo apenas a existência de conclusões factuais, sobre esta matéria, às autoridades policiais e judiciais e, caso se verifique a aplicabilidade, a respetiva condenação. De igual modo, se as suspeitas forem suficientemente graves e relevantes para merecer uma investigação, peço apenas que seja considerada a suspensão temporária de funções de todos envolvidos, pela potencial gravidade das suspeitas que estão em causa.

Para realçar a importância e a ironia desta situação, remeto o leitor para a página do poder judicial nacional, onde poderá consultar que a função dos membros da Procuradoria Europeia é, de forma independente (respeitando o princípio da separação entre os poderes judicial, legislativo e executivo), a de investigar, instaurar um processo penal e preparar a acusação contra quem pratica crimes que prejudiquem o orçamento da EU, incluindo situações de fraude, corrupção e branqueamento de capitais. Assim, pergunto:

Se existe a suspeita (repito, não comprovada) de que um dos membros da Procuradoria Europeia foi nomeado com base em mentiras curriculares, difundidas como verdadeiras através de atos que se poderão interpretar como tráfico de influências políticas, este estará em plenas condições para investigar, de forma independente, outras suspeitas de fraude, corrupção ou branqueamento de capitais?

Se, ao longo dos anos, se têm verificado (comprovadamente) situações de fraude na utilização dos dinheiros europeus subsidiados a Portugal, não será mais um prego no caixão da nossa credibilidade europeia que esta nomeação ainda se mantenha? Se estas suspeitas focassem outro Estado-membro, qual seria a posição oficial de Portugal?

Por fim, considerando estas suspeitas, será aceitável que o nosso Primeiro-Ministro as desvalorize, difamando quem questiona a sua manutenção e considerando-as um ataque ao país, utilizando a natural argumentação de líderes de outros países com baixos índices de transparência?

Considerando esta infeliz ironia, é essencial que não fiquemos apáticos perante mais uma situação, de extrema importância, em que parece que as suspeitas se poderão manter sem estarem devidamente dissipadas ou punidas. Perante estas situações, afirmo ser essencial que o radicalismo e o populismo não substituam o sentido cívico necessário a uma democracia e, para tal, em vez de os promovermos como voto de protesto, devemos exigir a existência de um poder judicial independente e com meios para controlar indubitavelmente a conduta de qualquer cidadão, em especial os titulares de cargos públicos. A nossa credibilidade depende disso.

Termino com uma questão final, muito pertinente face aos recentes resultados eleitorais, que é a seguinte – o que contribui mais para a abstenção eleitoral: o COVID-19 ou a existência de suspeitas, não esclarecidas, de fraude e corrupção sobre agentes políticos?