Aldo Adretta Junior, OBEGEF
"No Brasil, qualquer ação violadora de direitos que uma organização prestadora de serviços adote contra um dos seus empregados pode refletir diretamente na imagem da organização que a contratou (...)".
- Me arrisco aqui a escrever acerca de um tema delicado que precisa ser discutido com prioridade pelas organizações, principalmente pelos departamentos de Compliance e Recursos Humanos: a discriminação. Nesta crónica, quero me concentrar em aspectos práticos, principalmente na tomada de ações corretivas nos casos de assédio e violação das políticas de diversidade, pois acredito que é neste momento que se mostra a efetividade do discurso. Mas antes, vamos dar uma pincelada de como as políticas públicas contibuiram e contribuem para a mudança deste cenário no Brasil, bem como entender se assédio moral e o que vou chamar de “atos discriminatórios” (refiro-me a violência contra raça, cor, etnia, sexo, opção sexual, religião, deficiência ou aparência física, etc) podem ter a mesma classificação.
O Estado Brasileiro ainda é lento em relação à discussão deste assunto e podemos perceber que com as mudanças governamentais existem avanços e retrocessos quanto ao trabalho da promoção da diversidade. Contudo, no cômputo geral, não podemos afirmar que o Estado é inerte. Por exemplo, por aqui temos a lei 8.213/1991 (art. 93) (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm) que estabelece que as organizações com 100 ou mais empregados têm que destinar de 2% a 5% das vagas para pessoas com deficiência. O Decreto Presidencial 8.727/2016 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8727.htm) dispõe sobre o uso do nome social e reconhecimento da identidade de género de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública direta e autárquica fundacional.
Já o Plano Nacional de Educação de 2014 visou o reforço da promoção da diversidade e a necessidade de erradicar todas as formas de discriminação. No Senado, está em discussão o projeto de Lei 134/2018 (https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/132701) que institui o Estatuto da Diversidade Sexual e Género, com a intenção de promover a inclusão, combater e criminalizar a discriminação e a intolerância. O projeto está em tramitação.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal (equivalente ao Tribunal Constitucional em Portugal) se equiparou o artigo 20, da Lei 7.716/1989 (https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/132701), que trata da criminalização do racismo, para penalizar os casos de condutas homofóbicas e transfobias. Há um pedido para que a Suprema Corte estenda os efeitos do crime de injúria racial para conduta homofóbicas (https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/stf/do-supremo/abglt-pede-que-stf-esclareca-que-lgbtfobia-tambem-foi-equiparada-a-injuria-racial-03082020).
A respeito do tema da diversidade racial temos a Lei 12.771/2012 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12771.htm) que dispõe sobre cotas para acesso a Universidades Públicas Federais e 12.990/2014 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm) sobre cotas nos Concursos Públicos Federais. Chegou a ser discutido na Câmara de Deputados o Projeto de Lei 2.697/2007 (https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=382138) que propõem que nas organizações acima de 20 funcionários seja reservada uma cota de 20% para pessoas que se declaram negras e pardas, segundo as regras estabelecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE, mas o projeto está paralisado.
Por último, temos o projeto de lei 4.472/2001 (https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=27499), que define o assédio moral no ambiente público e privado como crime, que também está em discussão no parlamento, mas pelo tempo transcorrido com poucas possibilidades de sucesso.
Nas pesquisas realizadas, vimos que no Brasil não estamos tão distantes da realidade Portuguesa quanto às discussões referentes ao tema da diversidade (igualdade de oportunidades), mas estamos atrasados quanto aos aspetos legislativos e de estrutura para lidar com o tema nas organizações.
Em rápida pesquisa na web, podemos constatar a intensidade da discussão em referência ao tema. Conforme foi noticiado, no ano de 2017, Portugal teve um recorde de denúncias de racismo e xenofobia ( https://www.publico.pt/2018/08/23/sociedade/noticia/queixas-de-racismo-e-xenofobia-batem-recordes-em-portugal---1841723). Essa nota, entre outras, mostra a atualidade do assunto que discorremos neste texto.
Podemos encontrar, também, a reforma do Código Penal português de 2017, que retirou vários termos considerados homofóbicos de seu texto, reforçando uma tendência do Tribunal Constitucional. Mas enquanto no Brasil discutimos no Supremo Tribunal Federal se racismo e injúria racial podem ser aplicados para questões de homofobia, o artigo 240 do Código Penal Português, objeto da referida reforma, traz que a tipificação de várias condutas que “incitem à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica, ou que a encorajem;” (https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/107981223/201708230700/73474163/diploma/indice).
O Decreto-Lei n.º 54/2018 (https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/EEspecial/dl_54_2018.pdf) estabelece normas de inclusão nos processos de educação em Portugal, similar ao que estabelece o Decreto Brasileiro nesta área.
Também, notamos a Lei 93/2017 (https://dre.pt/pesquisa/-/search/108038372/details/maximized) que busca a “prevenção, da proibição e do combate à discriminação, em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem”.
E em busca de entender melhor a realidade portuguesa, verificámos que o governo português criou um grupo de trabalho, que recomendou inserir informações de origens étnicas para avaliar de maneira mais precisa as questões de desigualdades étnicas no país (https://observador.pt/2019/04/04/branco-negro-cigano-ou-asiatico-censos-2021-devem-perguntar-a-etnia-recomenda-grupo-de-trabalho/).
Ainda que os governos estejam se movimentando na busca da redução das desigualdades no tocante à diversidade, as políticas públicas não são suficientemente competentes para propiciar a solução do problema, nem em curto, médio ou longo prazo.
Olhando para as organizações, nos parece que a realidade européia e, consequentemente, a portuguesa apresentam maior avanço, com o advento da Carta Portuguesa para a Diversidade (https://www.acm.gov.pt/-/carta-portuguesa-para-a-diversidade), onde mais de 200 organizações são signatárias. Portugal foi o 16º país aceito na Plataforma de CE (Comunidade Europeia) onde 88, (inicialmente) entidades empregadoras, assumiram o compromisso de implementar, desenvolver e aplicar políticas e práticas para promoção da diversidade no ambiente de trabalho. O Alto Comissariado para as Migrações, órgão do governo português, é uma das entidades promotoras da Carta.
Por aqui temos várias boas ações, mas não temos, ainda, essa coesão das organizações ou uma entidade que faça a promoção da diversidade de maneira estruturada. Dentro dessas ações, felizmente, temos organizações cumprindo seu papel social com várias políticas internas visando aumentar a participação feminina em cargos de liderança, tendo inclusive assumindo a presidência de empresas, antes exclusividade de homens, promovendo programas de trainees para negros, contratação de pessoas com diversidade de género, entre outras ações que são de extrema importância para o equilibrio da sociedade e essa é uma das funções sociais das organizações. Muitas estão aderindo a este “movimento”, enxergando os benefícios que esta inclusão pode agregar ao progresso nos negócios. Estamos progredindo!
Como exemplo desse progresso e suas consequências, a pesquisa denominada “A diversidade como alavanca de performance”, da consultoria global Mckinsey, com mais de 1000 empresas em 12 países, indica que investir em diversidade aumenta a lucratividade da organização, mas também a criação de valor no longo prazo. Segundo a pesquisa, organizações que possuem diversidade de gênero em suas equipas executivas têm a expectativa de ter lucratividade superior a 21% que as demais, além de uma capacidade de performance 33% maior (https://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/delivering-through-diversity/pt-br).
Vou ressaltar aqui, neste especto, a importância dos programas de Compliance, que também estimulam a prática da diversidade e o respeito que se deve ter dentro de uma organização, fazendo o devido aculturamento sobre o tema. Mas, ainda há que ir um pouco além da promoção e divulgação. O assunto diversidade, em minha singela opinião, tem que ser parte integrante da gestão de riscos reputacionais, trabalhistas e, em um futuro breve, de riscos legais.
Em uma sociedade extremamente conectada, qualquer descuido com ações preventivas, monitoramento e tratamento inadequado do assunto podem gerar impactos na imagem da organização, podendo causar prejuízos incalculáveis. Tivemos, neste contexto, algumas ocorrências no Brasil, em que organizações tiveram perdas em Bolsa de Valores e, até mesmo perda de certificação de sustentabilidade pelo órgão que regula as negociações na Bolsa.
A gestão de riscos, neste caso, necessita ser extendida para organizações prestadoras de serviços. Como é que monitoramos as ações que estes prestadores executam no dia a dia das suas atividades? No Brasil, qualquer ação violadora de direitos que uma organização prestadora de serviços adote contra um de seus empregados pode refletir diretamente na imagem da organização que a contratou, pois, o ato pode ser realizado nas dependências da organização empregadora. O segundo aspecto é o jurídico, pois a legislação brasileira determina a responsabilidade solidaria e, creio que em Portugal não deva ser muito diferente. Por isso, será de fundamental importância que o processo de Due Diligence (e monitoramento) sejam inseridas questões sobre diversidade.
Mas o ponto que quero chegar é que se torna muito bonito a organização anunciar sua política, práticas educativas, ações sociais, entre outros exemplos de como tratar a diversidade. Porém, a questão nevrálgica é que muitas organizações têm dificuldade quando são feitas denúncias de assédio moral ou de assuntos de diversidade. Qual o limite entre um ato inapropriado e um assédio efetivo? Até que ponto estamos falando de um ato discriminatório? Como podemos estar realmente preparados para que seja feita uma apuração com critéiros técnicos? Entendo que é aqui que se constata que a organização realmente leva a sério o assunto diversidade!
Vou partir do princípio que as organizações estejam preparadas para o recebimento das denúncias, com seus canais independentes, bem como a devida comunicação para o público interno quanto ao relato das violações às suas políticas. Destaca-se o dever do sigilo, pois quando se trata de denúncias de assédio, é certo que na maioria das vezes a prórpia vítima fará a denúncia (outros casos, colegas indignados podem agir em nome da vítima e denunciar o ocorrido).
Ultrapassado o recebimento da denúncia, é importante termos uma definição clara do que é assédio moral e atos discriminatórios. Adotar esta distinção é importânte para fazer a classificação dos casos e direcioná-los dentro de uma árvore de decisão estabelecida para o Canal de Denúncia. Começando pelo assédio moral, vamos usar a definição da Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral do Tribunal Superior do Trabalho – TST, que define que:
“Assédio moral é a exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e prolongada, no exercício de suas atividades. É uma conduta que traz danos à dignidade e à integridade do indivíduo, colocando a saúde em risco e prejudicando o ambiente de trabalho. O assédio moral é conceituado por especialistas como toda e qualquer conduta abusiva, manifestando-se por comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos que possam trazer danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física e psíquica de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho.” (http://www.tst.jus.br/documents/10157/55951/Cartilha+ass%C3%A9dio+moral/573490e3-a2dd-a598-d2a7-6d492e4b2457).
O Comité Permanente pela Promoção da Igualdade de Género e Raça do Senado Federal Brasileiro também criou a Cartilha Assédio Moral e Sexual no trabalho, a qual traz uma definição de que atos discriminatórios podem estar inseridos no contexto do assédio moral.
“O assédio moral atinge ambos os sexos e todas as raças e etnias. Entretanto, sabe-se que a diversidade étnica/racial e a equidade entre os géneros nem sempre são respeitadas nas relações laborais, determinando impactos diferenciados no acesso ao emprego e na permanência e ascensão na carreira.” (https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/cartilha-assedio-moral-e-sexual-no-trabalho).
Ainda que considere que atos discriminatórios possam estar inseridos dentro do contexto do assédio moral, prefiro tratar o assunto de maneira separada. No assédio temos duas palavras importantes para a sua caracterização, conforme a definição que colocamos acima, que é a “forma repetitiva e prolongada”. Já o ato discriminatório não precisa ter uma ação prolongada, bastanto apenas um ato para a sua caracterização. Nesse sentido, a Organização Mundial do Trabalho na Convenção 190 de 2019 sobre Violência e Assédio traz uma definição em seu artigo 1º, que realça uma diferença que é de fundamental importância ao pensamento que descrevo neste parágrafo, pois indica que a caracterização da violência pode se dar por uma única ocorrência.
“(a) o termo "violência e assédio" no mundo do trabalho refere-se a uma gama de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou ameaças disso, seja uma única ocorrência ou repetida, que visa, resulta em, ou são susceptíveis de resultar em danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos dano e inclui violência e assédio de gênero;
(b) o termo "violência e assédio de gênero" significa violência e assédio dirigido a pessoas por causa de seu sexo ou gênero, ou afetando pessoas de um determinado sexo ou gênero de forma desproporcional, e inclui assédio sexual.” (https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_721160.pdf)
Reforçando esse pensamento, citando por exemplo a injúria racial, que é o ato de ofender a honra de alguém, utilizando-se de elementos raça, cor, etnia, religião ou origem, conforme Código Penal – brasileiro - (art. 140), não precisamos de atos reiterados para a sua caracterização. Nesse sentido, a já citada Cartilha emitida por Senado Federal brasileiro, é clara na distinção do tema.
“O ato isolado de violência psicológica no trabalho não se confunde com o assédio moral no trabalho, embora também possa ensejar a responsabilização civil, administrativa, trabalhista e criminal do agressor, a depender da gravidade.”
A definição acima é importante para que a organização possa começar a fazer a apuração da violação, distinguindo entre o que é assédio e o que são atos discriminatórios. Não estamos tratando com uma apuração comum, pois se trata de um assunto sensível, podendo estar sujeito a interpretação de quem apura e, sua má condução pode trazer prejuízos psicológicos para quem é denunciado e para os demais envolvidos, inclusive para a imagem da empresa.
Esse entendimento se torna imprescindível para a elaboração do plano de trabalho que tem por objetivo estabelecer onde o investigador buscará as evidências para comprovação do fato. Não é nada fácil nestes casos em que as evidências físicas podem não estar presentes, sendo de fundamental importância a evidência testemunhal.
Como disse, a evidência física (documental) pode não ser facilmente encontrada, pelo que algumas informações suportes podem auxiliar de sobremaneira a apuração. Cito avaliações psicológicas feitas pelo departamento de Recursos Humanos (ainda que as avaliações tenham como objetivo a contratação, promoções e etc., e, portanto, não seja a intenção de avaliar como a pessoa se comporta em relação a assédio, exceto nos casos que são feitas avaliações específicas) e pesquisas de clima organizacional, avaliações de outras áreas para os casos de o denunciado ter mudado de função, podem auxiliar nas buscas de informações relevantes para o entendimento do perfil.
Há um teste da Universidade de Harvard denominado TAI – Teste de Associação Implícita, onde podem ser medidos os níveis de “preconceito” quanto a questões de sexualidade, países, cor de pele, idade, género, peso e raça (https://implicit.harvard.edu/implicit/brazil/takeatest.html). Acredito que a aplicação de tal teste é discutível e precisa de uma análise jurídica, tanto no Brasil quanto em Portugal, para a sua validade. Prefiro, pelo menos neste momento, utilizar outros meios, como a análise de micro expressões faciais, que descrevo na sequência.
Um parêntesis importante na coleta de informações, pois tanto o Brasil quanto Portugal estão sob a égide de leis de Proteção de Dados, portanto, o registro e cuidados das coletas de dados pessoais têm que estar presentes e devidamente justificadas, pois estamos falando de dados sensíveis e há até quem os classifique de ultrassensíveis. Além disso, podemos, em análise às redes sociais, entender comportamentos que podem contribuir para uma tomada de decisão, mas todas essas coletas precisam respeitar a legislação.
No plano de trabalho não pode deixar de ser considerada a busca de evidências físicas e lógicas. Em alguns casos vão estar presentes por intermédio de uma mensagem eletrônica, quer por e-mails ou por comunicadores de telemóvel, ficando mais fácil de ser comprovada, pois iremos diretamente à fonte.
Quando não está presente este aspecto, é importante entender a relação vítima versus denunciado. Qual o histórico da relação ente eles? Houve aplicações de penalidades trabalhistas? A vítima participou de processos de seleção interna para recebimento de promoções ou aumento de mérito? São realizadas avaliações anuais de desempenho e qual foi seu resultado? Tudo isso está registrado junto ao Recursos Humanos?
Não se pode esquecer a análise do histórico de denúncias em relação ao acusado de assédio ou cometimento de atos preparatórios, indispensável para a análise de histórico. Vale, também, a consulta ao Departamento Jurídico, para sabermos se há alguma ação judicial referente a assédio, onde o denunciado possa ter sido acusado.
A relevância desses dados está no entendimento do que são atos de gestão ou um assédio. Já analisei muitos casos em que empregados com medo de perder seu posto de trabalho, em decorrência de desempenho insatisfatório, acabam por denunciar o gestor, tentando usar o canal de denúncia como “tábua de salvação”. Chegam até mesmo a citar supostos ilícitos funcionais ou abusos ocupacionais que teriam sido cometidos pelo gestor a longa data (ai vem a pergunta: porque não foi denunciado na ocasião dos fatos?).
Todas as organizações podem ter gestores com pouco preparo e que acabam tomando uma atitude, isolada, como alteração de função, local, horário, alteração de dia de folga, volume de trabalho, por exemplo, que pode causar “prejuízo” a um empregado, mas que não caracteriza assédio moral. A intervenção dos Recursos Humanos nestes casos pode resolver a questão que não tenha ficado transparente ao empregado. Por isso a importância dos registros e justificativas para estes casos.
Ainda como evidência física, uma perícia forense em computadores e/ou telemóvel não podem ser descartadas. Eventuais “omissões” podem ser descobertas e no caso de termos acesso a conversas por e-mail ou ferramentas de comunicação interna, contribuindo para o esclarecimento dos fatos. Particularmente, já tive casos em que após reiteradas denúncias (anteriormente enviadas ao Recursos Humanos e não apuradas a contento), fizemos uma perícia forense no computador do denunciado e já na primeira busca nas ferramentas de comunicação interna foi possível comprovar o fato.
A análise do contexto interno do departamento denunciado tem que ser levada em consideração. Se estamos falando, por exemplo, de um ato discriminatório por questões étnicas, raças ou sexo, quantas pessoas há na equipa com as mesmas características? Se os critérios para a formação (ou reposição de vagas) da equipa considera pessoas por suas capacidades técnicas e não por suas características ou convicções é um sinal de que há um gestor aberto à diversidade e, consequentemente, um ponto que requer um melhor entendimento da denúncia, pois pode inexistir o preconceito.
Ainda quanto ao clima organizacional, uma pesquisa partindo da área de Recursos Humanos pode contribuir para o resultado da apuração. Se parte da área responsável pela investigação pode ser interpretada de maneira negativa pelos funcionários.
A equipa necessita estar preparada para realização das entrevistas, quer com a vítima, denunciado e as testemunhas. Em sabendo identificar emoções, por meio da face, pode ser desvendado eventual preconceito, qualquer seja seu tipo. E saber identificar emoções como aversão ou desprezo pode nos ajudar a identificar ou distinguir a presença de um preconceito ou assédio. Segundo Paul Ekman, em seu livro A Linguagem das Emoções, a aversão é um sentimento que causa repulsa, ou seja, um sentimento de afastamento perante determinada situação ou pessoa. É mais provável que esteja presente em situações de discriminação, já que há recusa em aceitar a diferença do outro. Já o desprezo é mais comum que esteja presente em casos de assédio, pois demonstra soberba ou diminuição de outra pessoa.
Saber interpretar estes sinais e o contexto pode nos ajudar na conclusão de que o fato tenha acontecido ou não. Provavelmente, a vítima, ao relatar os fatos de um assédio ou discriminação vai apresentar sinais de aversão, misturados com raiva, por entender que sofreu uma violência. Se demonstrar sinais de desprezo, o entrevistador terá que aprofundar nas questões, pois alguns fatos podem ser inverídicos, aumentados ou ocultados.
Estando presente a aversão no denunciado vai nos ajudar a identificar um possível preconceito, tendo então de conduzir as perguntas no sentido de saber se o problema é apenas com a vítima ou com pessoas com as mesmas características. O desprezo, no caso do denunciado, pode nos mostrar a insatisfação ou até mesmo um problema pessoal com a vítima, que não necessariamente tenha relação com preconceito ou assédio.
Repito aqui um ponto de atenção de extrema importância, pois as micros expressões precisam de um entendimento de um contexto e não podem ser analisadas de maneira individual. E uma boa estratégia de entrevistas, pois com questionamentos precisos pode nos levar a uma conclusão mais assertiva do caso.
Como, ainda, estamos em uma época de pandemia, muitas empresas optam pela realização de entrevistas remotas, ainda que este assunto seja muito sensível. O lado positivo é que ela pode ser gravada (no Brasil é permitido gravar sem o consentimento do entrevistado, conforme decisão da Suprema Corte - não entrarei na discussão sobre se é ético ou não, para não fugirmos do tema principal), sendo que uma análise minuciosa das micros expressões faciais pode ser feita e, se for o caso, e, até mesmo, ser submetida a perícia.
Quanto à realização da entrevista, é importante ter em mente o direcionamento do profissional que irá realiza-la, principalmente em relação ao sexo. Imaginem uma mulher vítima de assédio sexual sendo entrevistada por um homem? Coloquei uma situação um tanto extrema, pois no caso em questão, certamente a vítima não estará confortável para fazer o relato. Essa sensibilidade é importante para saber escutar e demonstrar para a vítima e, consequentemente, para os demais empregados, que a organização se importa com o que está sendo relatado. Recomendo, que deve haver na equipa de entrevistadores profissionais experientes e devidamente treinados (ou de Compliance e/ou outras áreas, que sejam devidamente capacitados para tanto), pois para cada situação haverá condições de termos resultados mais concretos. Imprescindível que este profissional tenha a sensibilidade de poder entender o problema do outro.
Não posso esquecer de relatar aqui, quanto aos aspectos das entrevistas, que o testemunho de testemunhas requer um certo cuidado. Trata-se de uma prova que pode se tornar ingrata, sendo que, por este motivo, ao coletar as informações de testemunhas o entrevistador deve extrair o que a testemunha realmente viu ou ouvi, separando de outros fatos que possam não ter relevância com o tema, mas que acabam surgindo no momento da oitiva.
Por fim, considero que a decisão sobre os fatos deve ser formada por um Comité Técnico, composto pela área de Compliance, Recursos Humanos, Departamento Jurídico e, se for o caso, por um consultor externo, para, não só avaliar as questões quanto à veracidade da denúncia, mas também, eventual penalidade ao infrator, estratégia de resposta ao denunciante e medidas preventivas.
Considero que a questão da diversidade há que ser muito discutida nas organizações e não basta apenas campanhas informativas ou educativas. Há que se ter efetividade! Espero ter contribuído para que as apurações de violações referente ao tema sejam devidamente elucidadas de maneira assertiva e segura.