António João Maia, Expresso online (099 25/11/2020)

 

 

Todos somos (e devemos ser!) igualmente responsáveis pela procura da ética e da integridade em todas as circunstâncias do nosso quotidiano

Tradicionalmente a responsabilidade pela promoção da ética e da integridade surge ainda muito associada, e por isso de maior exigência, a quem exerce funções públicas. Ao exercício da ação e dos poderes do Estado, sejam essas funções de natureza política ou de natureza administrativa. Ser político ou funcionário público, como vulgarmente se refere, requer o ónus da exemplaridade sobre o que devem ser as condutas éticas de integridade.

E, em bom rigor, convenhamos, esta exigência é inteiramente verdadeira! Se o Estado é a entidade que representa e deve garantir a satisfação dos valores e dos interesses colectivamente partilhados pela sociedade e por todos os cidadãos, então é perfeitamente natural e lógico – outro qualquer pressuposto seria no mínimo estranho – que o exercício de funções em qualquer estrutura que sirva o Estado tenha associado esse pressuposto, que assim se torna num dever funcional.

Porém, do posto de vista da cidadania – e a ética e a integridade são fundamentalmente questões de cidadania –, os servidores públicos (políticos e funcionários públicos) são tão cidadãos como os demais. Com os mesmos direitos e deveres. Claro que têm essa responsabilidade de representarem e exercerem o poder do Estado. Mas apenas podem exercer esse poder na exacta medida em que sirvam o interesse de todos, estando-lhe por isso naturalmente vedadas quaisquer possibilidades de o exercerem em função dos seus próprios interesses ou de terceiros a si ligados, que é o mesmo que dizer que não podem incorrer em situações de conflitos de interesses.

Mas, pergunta-se, e que responsabilidade assume o cidadão comum, agora a olhar para quem não exerce funções naquele enquadramento? É que, muito simplesmente, estamos a referir-nos à esmagadora maioria das pessoas da nossa sociedade – de acordo com os dados do último relatório trimestral da DGAEP, o universo de trabalhadores nas denominadas administrações públicas era em final de Setembro de 700.477 trabalhadores, ou seja cerca de 7 a 8% do total da população portuguesa –. Não terá também este “cidadão comum” um dever especial de respeitar os valores da ética? De ser igualmente um exemplo de integridade?

Claro que sim! Claro que todos somos (e devemos ser!) igualmente responsáveis pela procura da ética e da integridade em todas as circunstâncias do nosso quotidiano, tanto na nossa relação com os outros, como na relação com o mundo e com a natureza.

Na sequência do que tínhamos visto anteriormente aqui neste mesmo espaço, em Democracia, corrupção e sociedade civil, e como tem sido salientado de forma muito clara por diversos organismos internacionais, como por exemplo pela OCDE, através da Recomendação de 2017 sobre integridade pública, a ética e a integridade são componentes de importância estrutural em qualquer sociedade e a sua presença é responsabilidade de todos, sem excepção.

A referida recomendação considera que o reforço da integridade pública se alcança através de um conjunto de medidas relativas a três pilares estruturantes da organização social, económica e política das sociedades: (1) a existência de um sistema de integridade coerente e abrangente; (2) o fortalecimento de uma cultura de integridade pública, e; (3) a existência de um sistema efectivo de prestação de contas.

Relativamente ao primeiro pilar, são apontadas componentes como o compromisso, a responsabilidade e a estratégia de todas as instituições na procura dos mais elevados padrões de ética e integridade.

A importância de reforçar o envolvimento de toda a sociedade na promoção da ética e da integridade, a par dos processos de capacitação dos servidores públicos, da existência de culturas organizacionais mais propensas à abertura e à transparência e também mais atentas à fraude e à corrupção, bem como a processos de selecção baseados em critérios de meritocracia e à existência de lideranças eticamente exemplares, são componentes de importância maior relativamente à concretização do segundo pilar.

E, para se assegurar o terceiro pilar, são requeridos cuidados como a existência de medidas de gestão e prevenção de riscos de fraude e de corrupção nas organizações, a aplicação de sanções punitivas relativamente às situações de fraude e corrupção detectadas e comprovadas, a existência de instrumentos e acções de fiscalização e controlo sobre a adequada execução dos procedimentos nas organizações, e maiores índices de transparência na acção governativa a par de um maior envolvimento da sociedade civil nas questões de interesse geral.

Este conjunto recomendações e de cuidados é claro quanto à importância e à necessidade de nos envolvermos todos de forma mais activa e empenhada nas questões da ética e da integridade nas nossas sociedades. A ética e a integridade são responsabilidade de todos!

Afinal de contas e vistas bem as coisas, é o nosso interesse colectivo que está em causa. E apenas colectivamente podemos cuidar dele e reforçar a sua importância e o seu significado para todos.