Carlos Pimenta, OBEGEF

"(...) porque razão uma publicação jornalística nega a publicação dessas crónicas sobre a fraude, (...) e de forma gratuita, coisa pouco vista, e contra o paradigma dominante da economia que afirma bem alto que «não há almoço grátis»".

  1. Antes da constituição do OBEGEF, aquando da Pós-graduação em Gestão da Fraude na Faculdade de Economia do Porto, a revista Visão mostrou grande atenção ao tema, como mostra o artigo publicado em Fevereiro de 2008: “A ponta do icebergue / As offshoressão a «hipocrisia do sistema»”. Daí nasceu uma colaboração entre o OBEGEF e a Visão, que se traduziu na publicação de várias centenas de crónicas semanais no site da revista (Visão online), bem como num livro (https://obegef.pt/wordpress/?p=11655) com o Prefácio do, então, Director da revista.

Depois de muitas mudanças editoriais (de pessoas e artigos), recentemente, a revista rompeu com esta colaboração. É, um pouco, sobre este assunto que esta crónica versa.

  1. As fraudes são um acontecimento muito relevante, e preocupante, das sociedades. Por isso mesmo são importantes os trabalhos fundamentados sobre o assunto.

Em primeiro lugar, porque é um fenómeno encoberto que para muitos não existe. É um facto que, apesar disso, há algumas fraudes que são mais percepcionadas - sobretudo por uma grande influência dos órgãos de informação - mas que dizer das fraudes nas empresas que representam cerca de 10% do volume de vendas!? Das fraudes desportivas que fazem com que, mais uma vez, a nossa aposta, oficial ou não, fique sem prémio!? Que dizer dos falsos medicamentos que, inadvertidamente, pode qualquer um de nós tomar!? Que dizer dos crimes e fraudes ambientais, muito variadas, entre países, ou em muitos produtos, que podem fazer com que as gerações vindoiras vivam em condições piores!? Que dizer da grande variedade de fraudes fiscais, nacionais, inter-regionais e mundiais que deterioram, desde o poder de decidir e agir, aos serviços prestados às populações?! Enfim, que dizer das múltiplas razões de apreensão de todos nós em todos os actos da vida humana - quando usamos o telemóvel, quando vamos a uma rede social, quando andamos na rua ou estamos em casa, em todas as situações - que inevitavelmente realizamos?

Em segundo lugar, porque as fraudes aumentam as desigualdades sociais e económicas. fazendo que, todos os dias, haja populações que não consigam alimentar-se, que não tenham casa, que morram de fome. À escala mundial, internacional, nacional e local, há processos de distribuição do rendimento que faz com que uns (muito poucos) vivam à custa do bem estar de muitos outros.

Em terceiro lugar, porque nos ajudam a compreender os efectivos significados de muitas medidas que parecem ser para nosso bem. Até nas leis, esse «sagrado» espaço que deveria ter como objectivo o bem das populações e, no que aqui nos ocupa, o combate à fraude, surge como permissor, ou potenciador daquelas!

Em último lugar, para simplificar este texto, que se pretende sintético, porque a fraude permite que o vastíssimo mundo do crime organizado torne, aparentemente, legal, logo imaculado, as suas fortunas, via branqueamento do rendimento, o que permite, por um lado, reforçar a sua actividade ilegal, e, por outro, controlar os Estados, apropriar-se de sectores económicos e sociais estratégicos, de empresas de que todos nós dependemos.

Creio que do que foi dito se deduz a importância de se abordar, em todos espaços possíveis, as problemáticas da fraude, assim como muitos outros temas que ultrapassam a nossa competência. Sobretudo, se for feita de forma rigorosa, estudada. Por tudo isso o OBEGEF – Observatório de Economia e Gestão de Fraude é uma entidade importante pelo número de especialistas que engloba (investigadores, técnicos, professores, polícias, empresários, gestores públicos, etc.) com formações muito diversificadas (economistas, juristas, criminólogos, antropólogos, sociólogos, matemáticos, engenheiros, … especialistas em compliance, segurança informática, auditorias de vários tipos,  etc.) que garantem, sempre que necessário, uma abordagem interdisciplinar.

Podemos, assim, questionarmo-nos por que razão uma publicação jornalística nega a publicação dessas crónicas sobre a fraude, sobretudo quando elas utilizam o espaço da internet (tendencialmente «infinito») e de forma gratuita, coisa pouco vista, e contra o paradigma dominante da Economia que afirma bem alto que «não há almoços grátis».

Pensámos colocar algumas hipóteses e resultados de investigação, mas deixamos ao leitor o integral espaço para essas lucubrações sobre as causas do presente «divórcio», por razões que nos são alheias.