Óscar Afonso, OBEGEF
A corrupção e a incapacidade, ou falta de vontade, para a combater, tendem a "legitimar" comportamentos corruptos na sociedade.
A corrupção corresponde à ideia de decomposição e caracteriza-se pela incapacidade moral dos cidadãos em assumir compromissos associados ao bem comum. É um fenómeno grave, relacionado, essencialmente, com a má gestão do Estado e das suas estruturas, no que diz respeito ao exercício das funções de natureza política – corrupção política – e no que se refere ao exercício de funções com carácter mais administrativo ao nível do funcionamento dos serviços públicos – corrupção administrativa.
Em termos muito simplistas, o Estado pode ser entendido com a instituição à qual a sociedade confia os valores coletivos mais importantes; em particular, os valores históricos, culturais, económicos, sociais, e outros valores que, em conjunto, correspondem à nossa referência matricial de identificação grupal. O Estado corresponde, pois, a uma instituição com natureza suprema que, controlando e administrando a nação, assegura a maximização do bem-estar social, e assume uma função e uma responsabilidade social que é ao mesmo tempo passiva e ativa. É passiva na medida em que é guardiã suprema dos valores referenciais que nos caracterizam e é ativa na medida em que é responsável pela concretização desses mesmos valores na vida quotidiana de cada um de nós e da sociedade.
Neste contexto, o Estado é organizado política, social e juridicamente, ocupando um território definido e tem de possuir obrigatoriamente uma estrutura operativa, suportada pelo esforço de todos através do pagamento de impostos, que, em função do interesse de todos, seja responsável pelo exercício das tarefas necessárias à concretização da satisfação do bem comum. O exercício de funções da estrutura operativa do Estado – a nível político e também a nível administrativo – tem de ocorrer, obrigatoriamente, neste enquadramento.
A Constituição da República Portuguesa (CRP) refere no nº 1 do artigo 6º que o Estado é unitário e respeita, na sua organização, os princípios da autonomia dos poderes locais e da descentralização democrática da administração pública. A administração pública comporta todas as entidades legalmente destinadas à administração do Estado, ao nível central – direta ou indiretamente – e ao nível local. Refira-se que Portugal é o único país da Europa ocidental em que a estrutura operativa só apresenta dois níveis de governo, o central e o local, com exceção dos casos de Açores e Madeira.
O setor público administrativo central direto visa a satisfação das necessidades coletivas e tem como principal agente executivo o governo (artigo 182º da CRP), mas abarca ainda subdivisões administrativas. Quanto às competências administrativas do governo, estão definidas no artigo 199º da CRP. O setor público administrativo central indireto ocupa-se, essencialmente, de atividades administrativas do Estado realizadas na continuidade dos objetivos estatais, por entidades públicas – institutos públicos, fundações públicas e entidades públicas empresariais – dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa e financeira. A sua justificação decorre do interesse do Estado em desconcentrar funções para incrementar a eficiência e a eficácia dos processos de decisão administrativa e/ou de modo a contornar as regras rígidas da contabilidade pública, sem, no entanto, perder uma razoável capacidade de controlo das funções em causa.
No que toca a descentralização administrativa, o país organiza-se em administração local e regional. Constituem a primeira as autarquias locais (artigo 236º da CRP), que se subdividem em municípios e freguesias e a segunda as regiões administrativas, cujo processo está concluído apenas nas regiões autónomas dos Açores e Madeira. De acordo com o nº 2 do artigo 235º da CRP, as autarquias locais são estabelecidas pela organização democrática do Estado, possuem órgãos próprios e exercem funções em prol das populações. Para além da autonomia administrativa, há que enfatizar a autonomia financeira refletida na capacidade de obter crédito, de gerir património, de elaborar e executar o seu orçamento e de efetuar e receber pagamentos (artigo 238º da CRP). Encontram-se, ainda, entidades associadas e/ou participadas pelos municípios que foram consideradas como mais adequadas para a prossecução das suas atribuições e do interesse público. Destacam-se as associações de municípios de fins múltiplos ou específicos (Lei n.º 45/2008, de 27 de agosto) e ainda as áreas metropolitanas (Lei n.º 46/2008, de 27 de agosto).
Além disso, o setor público administrativo central possui várias direções regionais dos ministérios com diferentes zonas de intervenção, a que acrescem, também, as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) no território continental. Existem, ainda, as unidades territoriais NUTS I, II e III, que abrangem todo o país, mas que possuem, essencialmente, apenas significado estatístico. Por fim, embora a CRP estabeleça a divisão administrativa em regiões administrativas no continente, subsiste a divisão geográfica distrital em dezoito distritos, que, basicamente, servem de divisões para utilizações administrativas tão díspares como, por exemplo, a definição dos círculos eleitorais para a Assembleia da República ou a organização de campeonatos desportivos regionais.
A complexidade de divisões, com órgãos não eleitos, comporta áreas de intervenção que, muitas vezes, se sobrepõem – uma verdadeira confusão! Efetivamente, o cenário existente é múltiplo, diversificado e heterogéneo, podendo mesmo dizer-se que se apresenta muito pouco razoável ou harmonizado, quer em termos de estruturas organizativas, quer no que se refere às características territoriais adotadas. A meu ver, a desorganização da estrutura operativa do Estado facilita e muito a prática de atos corruptos.
A corrupção e os demais crimes que a lei penal prevê para quem exerce funções em qualquer das estruturas da gestão do Estado consubstanciam violações muito graves. Traduzem situações em que o servidor da ação do Estado viola dolosamente o seu dever. A opção por práticas corruptas representa a desorganização da estrutura operativa do Estado e a presença de menores índices de integridade por aqueles que as assumem, que preferem optar pela satisfação de interesses próprios, ou de particulares a que se encontrem ligados, fazendo-o à custa da negação da expetativa social de concretizarem a regular ação do Estado.
Como facilmente se entende, tendo em conta o caso português, o Estado é uma instituição central da sociedade e a sua existência estrutura-se em torno dos cidadãos. São os cidadãos que ciclicamente escolhem as lideranças para assegurarem a gestão política do Estado, são os cidadãos os destinatários das opções tomadas pelas lideranças políticas, e são, ainda, os cidadãos que custeiam a estrutura de gestão do Estado com impostos. Neste contexto, a corrupção e demais crimes conexos representam benefícios para alguns, mas custos e perdas financeiras para o conjunto dos restantes cidadãos.
O estudo The costs of corruption across the EU, apresentado em 2018 no Parlamento Europeu, revelou que os custos financeiros da corrupção em Portugal representam cerca de 7,9% do PIB. Este percentual totaliza um valor de 18,2 mil milhões de Euros e corresponde à totalidade do orçamento de dois anos para a saúde. Tudo isto para sustentar determinados interesses instalados, para, em suma, alimentar bolsas bem particulares. A ocorrência de corrupção traduz sempre sinais de desorganização, ineficácia e ineficiência sobre a capacidade do Estado para assegurar a sua função. Representa, também, uma inevitável quebra de confiança no governo do Estado e nos índices de integridade, e de capacidade dos servidores públicos para o cabal e expectável exercício das suas funções.
No que toca à relação entre corrupção, por um lado, e crescimento e desenvolvimento económico, por outro, a posição dominante sustenta que a corrupção afeta negativamente a capacidade de crescimento e desenvolvimento de um país, porque priva cidadãos comuns de bens e serviços vitais e porque impõe custos sociais severos. Pode prejudicar o crescimento económico, essencialmente, por dificultar a correta afetação de recursos, e a quantidade e a qualidade do investimento. Assim se entende, por exemplo, que o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional sejam relutantes no apoio aos investimentos em países corruptos. Assim se compreende, que geralmente países com os menores níveis de riqueza económica per capita tendam a ser mais corruptos.
Sobre o impacto da corrupção no crescimento económico, creio dever dizer que o efeito da corrupção tende a diferir de país para país, de acordo com o seu nível de desenvolvimento e a qualidade das suas instituições. Tende, em particular, como vários estudos demonstram, a ser mais penalizador do crescimento económico em países menos desenvolvidos, onde a qualidade institucional é pior. Por outro lado, dado que a corrupção é um conceito complexo, multidimensional e de difícil quantificação, existem vários índices de corrupção, cada um deles captando diferentes dimensões do fenómeno, pelo que é provável que a utilização de diferentes índices possa conduzir a diferentes estimativas quanto ao seu efeito sobre o crescimento económico.
Finalmente, há que referir que a corrupção tende a arrastar consigo outros efeitos nocivos, dificilmente captados pelos índices existentes. A corrupção e a incapacidade, ou falta de vontade, para a combater, tendem a “legitimar” comportamentos corruptos na sociedade. Assim, mesmo que se provasse que o controlo da corrupção tinha um papel pouco significativo no crescimento da economia portuguesa, certamente não se deseja construir um ambiente social e económico em que a falta de ética e a corrupção sejam fenómenos recorrentes. Certamente que, combatendo eficazmente a corrupção e reduzindo os comportamentos ilícitos na atividade económica, Portugal e a sua economia terão um desenvolvimento mais saudável a longo prazo!