António João Maia, Expresso online (093 14/10/2020)

 

Os sistemas de controlo, prevenção e penalização da fraude e da corrupção apenas conseguem despistar (…) aqueles que não forem capazes de ludibriar esses mecanismos e instrumentos de controlo.

O princípio de Pedro (de Peter, para ser mais rigoroso, dado o nome de um dos seus criadores – Peter Laurence & Raymond Hull, "The Peter Principle", 1969) pressupõe, de modo muito simples, que num sistema com algum grau de organização e hierarquia as pessoas tendem a ser promovidas com base nas competências que revelam em cada função que exercem, até acabarem por estagnar em funções ou actividades para as quais se revelam incompetentes.

De acordo com este princípio, os autores verificaram que as organizações tendem a revelar-se incompetentes uma vez que são servidas por funcionários que acabam por se manter estagnados em funções para cujo exercício revelam incompetência.

Se fizermos agora o exercício de aplicar este princípio de Pedro à fraude e à corrupção, mais concretamente aqueles que praticam actos desta natureza, verificamos que o sinal de incompetência é dado quando alguém se torna objecto de suspeição e, de modo mais flagrante, quando é punido pela autoria de tais factos.

Se se admitir, num pressuposto racional muito válido, que o propósito dos actos de fraude e corrupção compreende o alcance ilegítimo de bens e valores em prejuízo de terceiros, e que essas acções são censuráveis em termos sociais e penais, então isso significará que a competência para se ter sucesso passa pela capacidade de manter essas práticas ocultas, afastadas de qualquer sinal de suspeição.

Por isso pode pressupor-se que até ao momento em que se torna suspeito, o autor de práticas fraudulentas e de corrupção tem um historial, mais ou menos longo, de sucesso em acções dessa natureza.

Situações haverá em que o autor da fraude e da corrupção é detectado logo aquando da primeira ocorrência, o que revelará alguma incapacidade aliada a natural inexperiência para este tipo de práticas.

Mas pode igualmente pressupor-se, como a investigação criminal destes crimes muitas vezes demonstra, que uma carreira de sucesso, leia-se de competência, associada à autoria destes crimes pode incrementar a confiança dos seus autores para índices que mais tarde acabam por se revelar fatais, expondo-os, por excesso de confiança, à tal incompetência que depois os conduz à suspeição e, conseguidas as provas, à penalização. São as situações em que “o feitiço se vira contra o feiticeiro”.

São conhecidos casos em que os autores de fraudes de corrupção são objecto de investigação depois de muitos e longos anos de práticas sem suscitar o mínimo traço de suspeição. Sem suscitar a mínima dúvida sobre a sua integridade e até exemplaridade social no plano da ética. Muitas vezes, ao serem detectados, suscitam reacções de incredulidade, ou mesmo comentários como “no melhor pano cai a nódoa” ou “quem vê caras não vê corações”.

O princípio de Pedro aplicado à fraude e à corrupção revela-nos afinal que, por muito bons e eficazes que se considerem (e eles devem ser tão bons e eficazes quanto possível), os sistemas de controlo, prevenção e penalização da fraude e da corrupção apenas conseguem despistar, detectar, investigar e, havendo prova, punir, os incompetentes. Aqueles que não forem capazes de ludibriar esses mecanismos e instrumentos de controlo.

Do ponto de vista do princípio de Pedro, a fraude e a corrupção numa organização é uma espécie de jogo de competências entre o gato e o rato, em que o primeiro tem uma estratégia para tentar localizar e aniquilar os propósitos do segundo, e este, por sua vez, dispõe de uma estratégia que lhe permita satisfazer os seus interesses à custa de terceiros sem ser detectado nem punido.

Pelo princípio de Pedro, podemos pressupor como muito provável a existência de agentes (autores) de fraude e corrupção que sejam exímios na sua competência, o que se traduzirá na impossibilidade de serem detectados, de as suas acções passarem perfeitamente despercebidas e de viverem uma verdadeira existência de impunidade.

E esta possibilidade, francamente real, justifica por si só a existência de instrumentos e medidas de controlo nas organizações, incluindo instrumentos de mapeamento e prevenção de riscos de fraude e corrupção, uma espécie de ratoeiras que ajudem o gato na sua tarefa de localizar os ratos.

É que se essas ratoeiras não existirem, os ratos vão por certo ter uma vida muito mais fácil e provavelmente mais rentável.