Pedro Moura, Expresso online (089 016/09/2020)

 

Sabe-se à exaustão que esta é uma situação nova, que ninguém sabia bem como lidar com ela, que os nossos líderes políticos foram apanhados de surpresa, que naturalmente muitos erros teriam de ser feitos e uma aprendizagem necessariamente levada a cabo.

No entanto os sinais que recebo dos responsáveis máximos pelas decisões nacionais feitas com base na pandemia assustam-me. Assustam-me porque perceciono um fechamento político progressivo do governo e atitudes próprias de gente que sofre de stress pós-traumático: nervosas, incoerentes, a roçar o ataque de pânico, mas a tentar mostrar que estão em total controle.

Para agravar, um facto ‘eleitoralesco’: uma grande fatia dos eleitores do atual governo têm o seu rendimento garantido, dentro de toda a crise que atravessamos estão “confortáveis”, e pouco se importam com situações que passem por novos confinamentos e imposição de limitações à sociedade e à economia. É natural que os partidos políticos se preocupem com estes pobres coitados, os “confortáveis”. Que tudo rebente, desde que lhes passe ao lado, certo?

Bom, em minha opinião errado, muito errado. Não podemos voltar a confinar o país. Por muito medo que os ‘confortáveis’ tenham de apanharem o vírus, o resto da população também o tem, mas prefere não morrer à fome e ao medo. Se num primeiro instante o confinamento permitiu avaliar melhor a situação e preparar estruturas e processos de urgência para tratar dos problemas sanitários, não se percebe que perante a iminência de uma segunda vaga caminhemos na mesma direção.

A economia não aguenta, e se a economia não aguenta as empresas e as famílias não aguentarão (excepção feita aos “confortáveis”, claro). A ‘pipa de massa’ não resolverá tudo.

Mas, para além das questões económicas e sociais, restam as questões da saúde.

Tentarei ser muito objetivo, morreu-se provavelmente mais de ‘mortes colaterais da Covid-19’ que de mortes diretas da Covid-19.

O que quer isto dizer? De acordo com esta excelente peça jornalística de Mariana Almeida Nogueira, desde 16 de Março de 2020 até 2 de Agosto de 2020 (data do artigo referido), há cerca de mais 4327 mortes que em igual período em 2019, e que dessas mortes em excesso somente 40% são mortes directas derivadas da Covid-19, os restantes 60% (cerca de 2.600) são as ditas ‘mortes colaterais da Covid-19’. Citando os especialistas da Escola Nacional de Saúde Pública, “É possível que este aumento de mortalidade esteja associado a casos de doença crónica grave cuja investigação e tratamento possam ter sido adiados devido à pandemia de COVID-19, porque os doentes evitaram procurar os serviços, ou porque as listas de espera adiaram os diagnósticos e tratamentos para além do prazo em que poderiam ter sido efetivos”. Nada mais a acrescentar, aqui. O medo é uma força poderosa, e pouco controlável nas suas consequências.

Ou seja, morreu-se mais do tratamento (mesmo que preventivo) que da doença.

Veja-se, por exemplo, o seguinte gráfico referente à comparação da evolução de "Situações que exigiram transportes de emergência de janeiro a maio de 2017 a 2020” (19 junho 2020, Julian Perelman, - fonte). Houve quebras enormes em relação ao padrão histórico.

Para além da Covid-19 as pessoas continuaram iguais, com os mesmos problemas de saúde. É fácil de perceber as mortes em excesso.

Imagina-se agora o que ainda não se vê de consequências relativas ao nível dos cuidados de saúde que não foram prestados e das situações de sub-diagnóstico de casos potencialmente letais como, por exemplo, cancros. Esta parte da fatura será paga mais tarde, mas será garantidamente paga.

Repito, morreu-se mais do tratamento que da doença. Estes dados quantitativos são de entidades credíveis. Mas parecem ter sido ignorados não só pelos responsáveis políticos, mas também por grande parte da imprensa.

Parece que é mais fácil gerir o medo, usando-o para evitar crispação social (ou perda de eleitorado), que informar devidamente a população e tomar decisões que, embora necessitem de coragem para enfrentar o pânico instalado, são as mais corretas.

Os ‘confortáveis’ não podem sacrificar o resto do povo à manutenção da sua posição, sob risco de ficarem sem país onde possam estar ‘confortáveis.

Morreu-se mais do tratamento que da Doença.

Os dados indicam que o medo da Covid-19 não pode servir para decidir por novos confinamentos e limitações, com a consequente implosão da economia e da sociedade.

Por favor não nos retirem mais futuro.

Situações que exigiram transportes de emergência de janeiro a maio de 2017 a 2020. Fonte: https://barometro-covid-19.ensp.unl.pt/wp-content/uploads/2020/07/mortalidade-colateral-durante-desconfinamento-final-22-junho.pdf