Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

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Como é do vosso conhecimento (e já começamos a tratar quando da nossa última crónica) o actual Governo, apresentou uma proposta de uma política anticorrupção, antecedida pela audição e participação de quantos ao longo dos anos procuraram combater em Portugal (na Europa e no mundo) esse flagelo da humanidade.

Flagelo porque contribui significativamente para a sobrevaloração do «eu» em detrimento da relação, muito multifacetada, com os «outros» ꟷ o que conduz a um enfraquecimento da sociedade ꟷ, pela correspondente diminuição da ética vigente, pelo agravamento das já elevadíssimas desigualdades nacionais, regionais e mundiais, pelas actividades ilegais que gera e alimenta, pelo aumento da triste relevância social dos paraísos fiscais, pela deterioração do serviços públicos à comunidade, pela degradação automática que gera do Estado e do seu entrosamento com a iniciativa privada, pela deterioração da concorrência entre instituições.

Provavelmente um programa de combate à corrupção exigiria uma proposta muito profunda de alteração do Estado e do funcionamento da nossa democracia. Contudo, como diz o ditado popular «quem tudo quer, tudo perde». É de saudar a iniciativa e ajudá-la no máximo ꟷ todos nós ꟷ no seu conteúdo e na sua concretização.

Há sempre várias vias para combater um determinado tipo de fraude (incluindo a que designamos por corrupção ꟷ política, institucional ou individual ꟷ): pela intensidade da punição, pela fiscalização, pela desburocratização, pela regulação, pela profunda redução dos conflitos de interesse, pelo reforço individual da cidadania, mas é indubitável que a melhor forma de o conseguir é  pela prevenção. Prevenção na sociedade, nas instituições, nomeadamente nas empresas, nos partidos políticos, nas instituições (políticas e administrativas). Prevenção que apresenta uma grande variedade de formas e conteúdos.

Por isso é de saudar que no documento se afirme peremptoriamente:

“Elegendo a prevenção como vetor essencial ao enfrentamento deste fenómeno, o Governo comprometeu-se, designadamente, a instituir um relatório nacional anticorrupção, a avaliar a permeabilidade das leis aos riscos de fraude, a diminuir as obscuridades legais e a carga burocrática, a obrigar as entidades administrativas a aderir a um código de conduta ou a adotar códigos de conduta próprios, a dotar algumas entidades administrativas de um departamento de controlo interno que assegure a transparência e imparcialidade dos procedimentos e decisões, a melhorar os processos de contratação pública, e a obrigar as médias e grandes empresas a disporem de planos de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas.”

“a Estratégia centra-se essencialmente na prevenção dos fenómenos corruptivos”

Desde que a “permeabilidade das leis aos riscos de fraude” se faça antes da aprovação de aquelas, os “códigos de conduta” e “planos de prevenção de riscos de corrupção e infracções conexas” sejam documentos conhecidos, discutidos, da vivência quotidiana, que a “transparência” tenha consciência das suas próprias limitações e se associe uma sociedade civil consciente e activa.

Apenas algumas palavras sobre o que se diz em:

“As universidades e politécnicos, sem prejuízo da sua autonomia científica e pedagógica, não deverão deixar também de assumir um papel relevante no plano de prevenção da corrupção, oferecendo unidades curriculares ou segmentos de unidades curriculares dedicados à matéria, mesmo no âmbito de cursos não directamente ligados ao tema, podendo ser avaliado, em função do curso e, até mesmo das saídas profissionais que proporcione, o enfoque a dar à formação.”

Não pondo em causa o que aqui se diz ꟷ antes pelo contrário ꟷ chama-se a atenção para os seguintes aspectos:

  • É possível e necessário que em todo o tipo de formação exista alguma formação sobre o risco de fraude nos sectores de actividade a que se destinam os respectivos alunos , devendo o seu conteúdo ser adaptado a cada caso em função do interesse e preocupações dos estudantes. Se são disciplinas obrigatórias ou facultativas depende de múltiplos factores. Contudo esta proposta não é fácil porque eventualmente os elementos dos órgãos que defendem a referida “autonomia científica e pedagógica” nada sabem do assunto o que também pode significar que nada fazer possa ser a manutenção do seu poder. Sugere-se eventuais reuniões com os reitores de todas as Universidades.
  • Nas diversas Universidades, como refere Black (W. K., 2005, The best way to rob a bank is to own one how corporate executives and politicians looted the S&L industry. Austin: University of Texas Press.) há que considerar particularmente os cursos muito dirigidos para as actividade de Gestão, Economia e Direito.
  • Não basta o referido anteriormente junto dos estudantes. É necessário, eventualmente, que se atenda a que alguns deles, numa fase posterior de exercício da sua actividade não se integre numa «cultura diferencial (utilizando a terminologia de Sutherland) conducente ao cometimento de fraude.
  • Pode ser particularmente interessante no anteriormente referido o debate de dilemas morais.

Tudo anteriormente afirmado permite concluir que não é só ao Estado que compete combater a fraude, mas também a todos nós.