Óscar Afonso, Expresso online (086 26/08/2020)
As causas da corrupção são sempre contextuais, enraizadas nas políticas de um país, nas tradições burocráticas, no desenvolvimento político, e na história social. Em particular, tende a florescer quando as instituições são fracas, as políticas governamentais geram rendas económicas, os trabalhadores da função pública desempenham cargos desligados das qualificações e os salários estão desligados do desempenho. A corrupção é ainda promovida por orçamentos governamentais disfuncionais, fornecimentos e equipamento inadequados, atrasos na libertação de fundos orçamentais, e fornecimento de bens públicos sem qualidade. A motivação para permanecer honesto é depois enfraquecida quando se observa que altos funcionários e líderes políticos utilizam cargos públicos para proveito privado, quando aqueles que resistem à corrupção carecerem de protecção.
A corrupção pode ser rara ou generalizada. No primeiro caso, comporta alguns actos individuais, é simples de detectar e punir, e a norma na sociedade é o comportamento não corrupto. Na verdade, as instituições são suficientemente fortes para garantir integridade na vida pública. Por outro lado, a corrupção é sistémica (generalizada ou enraizada) quando é rotineira nas relações entre o sector público e empresas ou indivíduos. Neste caso, as regras formais e informais estão em desacordo e, mesmo que a corrupção seja ilegal, os incentivos vão no sentido do não combate ao sistema enraizado. Ou seja, as regras formais permanecem em vigor, mas não contam (ou só contam para alguns) e são substituídas por regras informais. No fundo, pode ser crime subornar um funcionário público, mas, na prática, a lei não é aplicada ou é aplicada de forma partidária e, em verdade, prevalecem as regras informais. De igual modo, por exemplo, as comissões de concursos públicos podem continuar a funcionar mesmo que os critérios pelos quais os contratos são adjudicados tenham mudado.
Face ao exposto, neste último caso, o reforço das instituições para controlar a corrupção passa por voltar às regras formais, reconhecendo que um quadro jurídico para controlo forte requer muito mais do que leis. Significa compreender as fontes da informalidade, perceber o porquê das regras informais estarem em desacordo com as formais e não haver limites para o controlo da acção dos titulares de cargos públicos. Usualmente, a principal razão para a divergência é política, sendo uma manifestação da forma como o poder é exercido e retido.
Ao longo do tempo, a maioria dos países desenvolvidos, decentes e com instituições inclusivas desenvolveu valores burocráticos baseados no mérito, institucionalizou políticas competitivas, estabeleceu processos governamentais transparentes e fomentou uma comunicação social activa e uma sociedade civil informada. Estes mecanismos restringem a corrupção política e burocrática, fazendo dela a excepção e não a norma. Nos países com instituições extrativas, as instituições governamentais são fracas, a sociedade civil é amorfa, e os processos políticos e burocráticos são irresponsáveis e opacos. Eventuais organismos especiais anticorrupção tendem a ser transformados em instrumentos partidários cujo verdadeiro objectivo não é detectar a fraude e a corrupção, mas assediar tudo que deve ser assediado, incluindo opositores políticos. Como a corrupção se opõe aos valores burocráticos da equidade, eficiência, transparência, e honestidade, enfraquece o tecido ético da função pública e impede a emergência de um governo com bom desempenho, capaz de desenvolver e implementar políticas públicas que promovam o bem-estar social.
Os mecanismos de controlo do governo devem pois incluir sistemas que protejam as organizações públicas da corrupção e promovam a responsabilização. Em particular, estes sistemas devem incluir uma função pública meritocrática, instituições supremas de vigilância e auditoria com recursos para controlar o desempenho do governo, tais como provedores de justiça, auditores externos, imprensa livre e comissões de serviço público.
Embora as economias de países onde a corrupção está enraizada possa crescer, mas pouquinho, pelas circustâncias do contexto a que pertence, a verdade é que as sucessivas fases do desenvolvimento económico e social serão impossíveis de alcançar com corrupção. Em última análise, creio que deve ficar claro que os países precisam de criar instituições duradouras para promover e proteger a integridade na vida pública, para que a política pública possa alcançar os objectivos (tais como a redução da pobreza) que estão no cerne do desenvolvimento económico e social sustentável.
Com corrupção a estabilidade macroeconómica é minada pela perda de receitas governamentais e despesas excessivas. Isto pode acontecer através da corrupção nos diversos ministérios, através da dívida contraída quando o escrutínio não existe ou é contornado, através de contratos adjudicados a certos concorrentes com ou sem concurso, e através da erosão geral do controlo das despesas. A dívida excessiva pode decorrer de investimento em “elefantes brancos” que devem a sua origem, pelo menos em parte, à corrupção. A estabilidade macroeconómica pode também ser ameaçada por garantias de dívida e outros passivos contingentes extra-orçamentais acordados em transacções corruptas sem escrutínio público. Pode também ser ameaçada por fraude em diversas instituições.
Além disso, a corrupção reduz a cobrança de receitas, expulsando empresas do sector formal e fornecendo uma justificação moral para a evasão fiscal generalizada. Tem ainda um efeito negativo sobre o investimento estrangeiro e assim sobre o emprego e o crescimento económico. No fundo, aumenta os custos de fazer negócios e o risco de um país ser marginalizado na economia internacional.
Pior de tudo, os custos da instabilidade macroeconómica são suportados por todos os outros elementos da sociedade, mas especialmente pelos pobres. Estes, sem recursos, acedem a serviços públicos de má qualidade – seja no ensino, nos cuidados de saúde, ou no custo da energia, por exemplo – e, no entanto, com esmolas são facilmente comprados nos sucessivos actos eleitorais.
Que lições resultam de tudo isto para o Portugal actual? Embora a crónica já vá longa, lamentavelmente temos de dizer que nos situamos no grupo dos países com instituições extrativas com corrupção sistémica. Só para citar alguns dos casos mais conhecidos e exclusivamente no sistema financeiro recordo os casos Novo Banco, CGD, Banif, BPN, BPP, ..... Como o Paulo Morais bem recorda, a “corrupção parece fazer parte do DNA do regime”. Generalizando o João Miguel Tavares a propósito de Reguengos, os políticos têm “nas suas mãos o circuito do dinheiro, dos empregos, da publicidade, das licenças” e “com esse poder (...) vem a promoção da incompetência”.
O resultado é a existência de cerca de 2 milhões de pobres, 1,5 milhões de mal remediados por prestações sociais, uma classe média que não sai da “cepa-torta” e a debandada dos jovens para países onde o mérito conte porque, felizmente, não estão disponíveis para ganhar a miséria de salários que, no fim de tudo, o país pode pagar.
E a solução? Como o Paulo Morais também bem refere, se as entidades que deviam combater a corrupção (em particular, as entidades reguladoras) estão elas próprias capturadas e apenas servem para branquear crimes efectuados, resta-nos um organismo verdadeiramente independente que, em nome do povo, defenda o povo dos actos de corrupção.