Pedro Moura, Jornal i

Nas nossas empresas e outras organizações o número de gestores medíocres é desproporcionalmente superior ao dos gestores capazes. Qualidade de gestão tende a ser uma anomalia estatística

Embora a minha formação base seja ‘Cromo do Técnico’ (Informática, ainda por cima), cedo a minha carreira seguiu por caminhos mais ligados à Gestão. Tive a sorte de poder trabalhar com gestores excelentes que muito me ensinaram e ajudaram a evoluir em meio a tanta asneirada que fiz.

No entanto, tive também o azar de ter de trabalhar com muitos outros gestores medíocres, que para além de criadores de muitas dores de cabeça, me permitiram viver diretamente a realidade do que é a gestão em Portugal. E a realidade não é bonita.

Pela minha amostra, e depois de refletir bem sobre o meu maior ou menor enviesamento, ouso afirmar a minha opinião de que nas nossas empresas e outras organizações o número de gestores medíocres é desproporcionalmente superior ao dos gestores capazes. Qualidade de gestão tende a ser uma anomalia estatística.

Fácil será de ver que isto tende a transformar qualquer tentativa de melhoria da qualidade das nossas empresas, produtividade ou de elevação do nível da nossa economia num exercício próximo do masoquismo, como por exemplo, correr a meia-maratona com um tipo, um gestor, a puxar-nos pelos calções para trás enquanto nos grita que devemos correr no sentido da partida e não da meta. Isto durante toda a corrida. Felizmente somos um povo que preza o sofrimento.

Sendo esta a realidade, deixo algumas das razões que penso podem ajudar a este estado de coisas (emergência, calamidade?).

Falta de Formação

Os gestores em Portugal seguem mais ou menos o atraso em formação académica do resto do país: de acordo com este artigo, 55% dos empregadores não têm o ensino secundário, e cerca de 43% do gestores que trabalham por conta de outrem têm um nível de ensino abaixo do 9º ano.

A juntar a esta lacuna na formação académica dos nossos gestores, há que juntar a lacuna da formação em geral ao nível humano. Nascer em famílias com posses, frequentar juventudes partidárias ou ter uma boa dose de amigalhaços em bons lugares geralmente não faz um bom gestor.

E quanto a formação on-the-job, tendo em conta que há mais piores gestores que bons gestores será fácil de ver que a probabilidade de ter como ‘mentor’ um bom gestor tende a ser baixa.

Princípio de Peter

Para os desconhecedores, esta pérola de sabedoria da teoria de gestão é obra do Dr Laurence J. Peter, e afirma muito sinteticamente que os trabalhadores numa organização hierárquica tendem a ser promovidos até ao limite da sua incompetência.

Ou seja, os empregados tendem a ser promovidos com base na sua competência na função atual, não com base na competência para a função para a qual serão promovidos, isto até se tornarem totalmente incompetentes.

Para dar um exemplo, um excelente programador é promovido a gestor de projeto, função em que já não é tão bom como era programador, mas ainda está acima da média. De seguida, é promovido a diretor, e naturalmente é pior diretor que gestor de projeto, mas mesmo assim ainda é melhor que a média (não é difícil). E vai por aí acima, até chegar ao título de ‘CEO honorário’ ou ‘Chairman não-executivo’ ou ‘Presidente do Comité Consultivo de Peritos’, ou seja, o Santo Graal de uma carreira: o ‘Encosto Dourado’.

Estou certo que este fenómeno acontece imenso em Portugal, e ouso estender o ‘Princípio de Peter’ com a ‘Extensão de Pedro’: a probabilidade de um trabalhador de uma organização hierárquica ser promovido (até ao limite da sua incompetência) aumenta com o resultado da seguinte fórmula: (incompetência do seu superior X  nível de ‘amigalhacismo’ entre os dois) / (receio do superior que o trabalhador lhe possa um dia vir a ‘fazer sombra’). O que me leva ao próximo ponto,

Confiança vs Valor

Sendo o português um povo muito leal, sobretudo entre amigalhaços, é notório que as principais decisões que cada pessoa toma se regulem por esta bitola: importa mais a confiança e a lealdade (ou o tal amigalhacismo, termo abstruso mas engraçado) que o valor e a competência.

E se nas decisões ao nível pessoal este princípio muitas vezes acarreta problemas, a nível profissional tende a ser catastrófico, sobretudo ao nível da gestão.

Confiança é fundamental, certo? Talvez porque temos uma cultura de desconfiança que nos corrói até ao tutano, inseguros que somos enquanto pessoas e povo, incapazes de aceitar que as outras pessoas podem não estar sempre a ‘querer-nos lixar’. E tão preocupados estamos com isto, que não conseguimos avaliar e tomar decisões com base em valor e competência.

Os negócios fazem-se mais por ‘relação’ que por ‘valor’; as contratações e promoções são para ‘malta de confiança’, de preferência ‘referenciada’, e não para ‘malta de valor’; as decisões fazem-se mais a olhar para o interesse pessoal e dos amigalhaços que para o valor acrescentado para a organização; as falcatruas, primeiro pequenas depois maiores, fazem-se também entre a  ‘malta de confiança’, até porque ‘que se f*** a empresa, primeiro tratamos de nós’; etc.

Respeitinho

Já antes falei disto aqui. Basicamente somos um povo com pouca coragem para dizer e fazer o que pensa. Há quem lhe chame boas maneiras, eu chamo-lhe respeitinho (ou medinho, miúfa, cagufa, etc).

E o bom gestor português segue a tradição: exige dos subordinados respeitinho, assegurando que daí não virão nem problemas nem qualquer tipo de ideia ou pensamento crítico que pudessem abalar o status quo e a sua inquestionável superioridade; e perante o seu superior, que toda a gente tem um, observa à risca a cartilha que abaixo de si prega, sabendo sempre que mais vale abanar a cabeça que falar, e que questionar o que quer que seja é considerado pena capital.

Respeitinho é bonito e replica-se melhor ao longo de gerações e camadas das empresasque o Covid-19, tornando-o porventura a nossa característica negativa mais difícil de mudar.

Falta de mulheres na gestão

Uma categoria de género, racial, sexual, cultural, etc não faz de ninguém bom ou mau. Mas já ando por cá há tempo suficiente para saber que um conjunto de homens deixados soltos à frente de uma empresa tende a fazer gestão ao nível do ‘Senhor das Moscas’, em que um grupo de crianças britânicas se vê sozinho numa ilha e se tenta auto-governar. Desculparão o spoiler, mas a estória não acaba bem.

Eu defendo que devem existir mais mulheres na gestão das empresa e organizações não por achar que é um ideal bonito, que as mulheres têm de ter oportunidades iguais ou quaisquer outros argumentos que fiquem bem numa conversa durante o brunch, mas sim por uma questão de sobrevivência das empresas e de nós mesmos, os homens que por alguma razão (Peter, Pedro?) são gestores. Não é por idealismo, é mesmo por interesse; mulheres, salvem-nos!