Mário Tavares da Silva, Expresso online (085 19/08/2020)

Nos dias que correm, e em grande medida fruto do acesso livre e universal que todos temos ao inesgotável mundo da Internet e a todo o manancial informativo que ela nos proporciona, tendemos, sem que saibamos muito bem explicar porquê, a falar e a discorrer um pouco sobre tudo. É, aliás, essa nossa primitiva e instintiva tentação de alardear sabedoria sobre tudo o que mexe que justifica, por exemplo, que os hipocondríacos, após surfarem por um bom punhado de sites e de calcorrearem um sem número de blogues, façam diagnósticos sobre as suas próprias maleitas antes mesmo dos seus próprios médicos ou, ainda, que mecânicos de fim de semana diagnostiquem as avarias mais improváveis dos carros que conduzem, antes mesmo do mecânico abrir o capô…

Numa palavra, somos uma espécie de “doutores de aviário” que tudo sabem sem nada saber!

O mesmo se passa, com as devidas adaptações, nas questões da fraude e da corrupção, em que figuras dos sucessivos Governos e responsáveis pelas mais diversas entidades, públicas e privadas, tem inundado a comunicação social com discursos ungidos de boas intenções para no final do dia, logo se perceber que tudo, uma vez mais, não passou de uma mão cheia de nada. Foi, aliás, por tudo isto, mas não apenas por causa disso, que o Observatório de Economia e Gestão de Fraude, certo das limitações à sua ação decorrentes da inexistência de uma visão integrada e holística do fenómeno da fraude e da corrupção, apresentou em 2018 um projeto no âmbito do Orçamento Participativo Portugal, a que chamou Mapear a corrupção em Portugal, e no qual se propunha e disponibilizava para dar o seu contributo para o estudo de diversos elementos no âmbito da temática da fraude e da corrupção. Pretendia-se, apenas e tão só, identificar, inventariar e caraterizar coisas tão simples como tipologias e frequências dos crimes praticados, tipologias de entidades e de funções onde esses crimes pudessem ter tido lugar e vulnerabilidades organizacionais associadas, género, idade, nível de escolaridade, remuneração e experiência das pessoas envolvidas nesses atos corruptivos, tipologia e valor dos danos provocados como resultado da prática desses crimes, natureza das investigações, meios de prova associados e respetiva eficácia, decisões finais tomadas em cada uma das fases processuais e elementos objetivos de fundamentação que as suportariam e, por fim, e sem pretensão de esgotar o universo, o tempo médio despendido em cada uma das fases processais levadas a cabo.

Pretendia-se, e ainda se pretende, realizar um exame de «imagiologia» profundo e sério, uma espécie de «ressonância magnética» ao fenómeno da fraude e da corrupção, juntando, com um propósito comum, de forma dialogada e construtiva, Governo, Ministério Público, Tribunais, órgãos de polícia criminal, órgãos de controlo nos seus mais diversos planos de atuação e, por fim mas não menos importante, as entidades públicas e privadas com responsabilidades de atuação no plano de combate à fraude e à corrupção que ao projeto se pretendiam associar.

Um projeto de mapeamento da corrupção que desde cedo se propôs inclusivo e de geometria variável, capaz pois de acolher no seu seio todos os que quisessem ser parte da solução por não se resignarem a assistir, impotentes, ao correr no tempo da fita mediática de mais e mais casos de corrupção. O espírito que sempre moveu o Observatório de Economia e Gestão de Fraude nesse seu desígnio nacional foi, e continua a ser, o de lutar por um propósito comum, qual seja o de melhor conhecer as causas e o ecossistema em que os fenómenos de fraude e de corrupção se desenvolvem para que, dessa forma, mais eficazmente os prevenir.

Tal como então sucedia, esse propósito continua válido, talvez agora até com maior intensidade e visibilidade junto da sociedade, tão fustigada que tem sido pelos imparáveis, dispendiosos e, cada vez em maior número, casos de corrupção.

É por tudo isso que a estes desafios sensíveis e exigentes com que a democracia sempre nos interpela a cada passo que ousamos avançar, se deve responder com firmeza e vontade de fazer mais e melhor.

Levemos a sério, a sério mesmo, sem tergiversações e tibiezas, a necessidade de mapearmos de vez a corrupção, pois só assim lograremos ter as necessárias condições para proceder a uma rigorosa, verdadeira e eficaz estratégia para o seu combate.