Nuno Moreira , Visão online

“...é de notar que o crescimento acentuado nas décadas mais recentes do relato empresarial no âmbito da sustentabilidade e responsabilidade social, muitas vezes não tem vindo a ser acompanhado, de igual forma, de maior credibilidade e fiabilidade.”

À medida que a pressão por um relato e divulgações empresariais de caráter não financeiro continua a crescer, as empresas precisam garantir inevitavelmente a existência de sistemas atualizados e eficientes para a recolha, analise e divulgação das suas respetivas dimensões, bem como e sobretudo, é necessário  garantir que este tipo de relato seja credível.

De acordo com o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), o relato de caráter não financeiro refere-se a todo o relato e divulgações empresariais, fora do âmbito das tradicionais demonstrações financeiras que são objeto de uma auditoria externa independente /revisão oficial de contas. Ou seja, estamos aqui no domínio das divulgações por parte das organizações, enquadráveis nos tópicos da Sustentabilidade e da Responsabilidade Social Empresarial.

De acordo com o último survey da Big Four KPMG, “Corporate Responsibility Reporting” (2017), comparativamente com o ano 2005, onde apenas 30%  das 250 maiores empresas do mundo divulgavam informações não financeiras, no ano de 2017, mais de três quartos incluem no seu relato anual divulgações desta natureza (KPMG 2017); tendência que tem vindo a acentuar-se nestes últimos 3 anos.

De referir, a nível europeu, a Diretiva 2014/95/UE entretanto transposta para todos os estados membros, que torna obrigatório o relato não financeiro, para certos tipos de empresas (grandes empresas que sejam entidades de interesse público e que, à data de encerramento do respetivo balanço, excedam o critério do número médio de 500 empregados). Por outro lado, o Acordo de Paris, assinado em dezembro de 2015 por 195 países, a Agenda 2030 da ONU, a qual se articula em torno de 17 objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), bem como o Plano de Ação de 2018, da Comissão Europeia – “Financiar um crescimento sustentável”, colocam na ordem do dia o denominado Sustainable Finance, com a incorporação dos fatores ambientais, sociais e de governação  nas próprias decisões de investimento e financiamento.

Assim, como se compreenderá, existe uma pressão adicional para que o relato e as divulgações desta natureza, não financeira, consigam não só dar resposta ao contexto descrito, como também às expectativas dos diferentes stakeholders e respetivos interesses (muitas vezes diferentes e por vezes conflituantes).

Convém ter a consciência que todo o relato anual é uma parte essencial da estratégia de comunicação das empresas; o propósito de utilizar instrumentos de comunicação corporativa, é influenciar as perceções dos stakeholders, isto é, influenciar a imagem ou a reputação organizacionais.

Contudo, torna-se difícil para os diferentes stakeholders avaliar se uma organização é, ou não, socialmente responsável. Ainda mais difícil porque as organizações, muitas vezes, exercem simultaneamente um comportamento socialmente responsável e irresponsável. E, é de notar que o crescimento acentuado nas décadas mais recentes do relato empresarial no âmbito da sustentabilidade e responsabilidade social, muitas vezes não tem vindo a ser acompanhado, de igual forma, de maior credibilidade e fiabilidade. O papel da assimetria de informação entre os gestores e os stakeholders sobre o desempenho da sustentabilidade corporativa é algo real. Igualmente real é o risco do relato de sustentabilidade poder ser manipulado intencionalmente, de forma fraudulenta, algo que no meio académico e profissional tem vindo a assumir algumas interessantes denominações, nomeadamente, “corporate camouflage” e “greenwashing”.

Consequentemente, neste contexto, é fortemente recomendável que este tipo de relato não financeiro tenha uma garantia externa e independente de fiabilidade, de uma auditoria independente (assurance). Mas será que os auditores /revisores oficiais de contas (“accounting assurance providers”) conseguirão assegurar esta missão, com uma segurança adequada, elevada ?

Com informação predominantemente quantitativa (financeira) e uma maturidade elevada no que respeita à sua regulamentação e enquadramento normativo no que respeita à auditoria do tradicional relato financeiro,  os auditores não têm conseguido evitar, desde o virar do milénio, enormes fraudes e escândalos financeiros um pouco por todo o mundo, evidenciando limitações muito relevantes; desde logo enunciadas no livro verde de auditoria de 2010, que deu origem à subsequente reforma europeia de auditoria. Consequentemente, apreensões ainda maiores suscita uma auditoria, em que se pretenderá à partida um nível de segurança elevado, ao relato não financeiro; é de salientar que a subjetividade e incerteza deste tipo de divulgações são significativamente maiores, com recurso a divulgações de natureza qualitativa, ilustrações, narrativas e também divulgações com caráter prospetivo. Ou seja, quer os desafios quer as limitações de uma função de assurance deste tipo de relato ficarão seguramente acentuados de forma significativa.

Consciente deste facto, o International Auditing and Assurance Standards Board (IAASB) avançou muito recentemente para a proposta de um novo guidance, elaborado em colaboração com o WBCSD e denominado de Extended External Reporting Assurance (EER). Proposta que surge na sequência de uma tomada de consciência de que os standards e guidance já existentes continuam longe de representar um fato à medida, em especial para o assurance do relato  e divulgações de natureza não financeira; quer em termos de framework quer como suporte a uma opinião de auditoria. Contudo, na referida recente proposta de novo guidance (EER), pretendendo complementar a já existente norma de referência ISAE 3000, não existem orientações específicas e devidamente detalhadas para apoiar os auditores na difícil tarefa de avaliar o risco de fraude num relato de natureza não financeira, envolvendo questões no âmbito da sustentabilidade e responsabilidade social corporativa. Assim, tendo presente as já referidas limitações de uma auditoria tradicional ao relato financeiro perante o risco de fraude, com que novas limitações serão agora confrontados os auditores, ao querer dar confiança e garantir com segurança elevada as divulgações e o relato não financeiro (Environmental, Social, and Governance), claramente mais desafiante ?

Perante um risco de fraude ou manipulação intencional do relato não financeiro, faltará seguramente ainda algum (muito?) tempo para que as diferentes partes interessadas no relato e divulgações organizacionais, nos domínios da sustentabilidade e responsabilidade social corporativa, se sintam confortáveis e tenham a necessária confiança, ao ler e analisar a informação divulgada.