Mário Tavares da Silva , Visão online
“Perante este bloco de deveres, parece claro que se nada mais resultasse desta iniciativa, o que felizmente não é o caso, a previsão de tais deveres seria, por si só, um aspeto digno de registo, pois os advogados, enquanto garante de confiança de todos aqueles que a eles recorrem, assumem um papel da maior importância na defesa do Estado de Direito e na adequada prossecução do princípio do acesso ao direito e aos tribunais.”
Na passada sexta-feira, 21 de agosto, foi dado mais um importante passo na prevenção e combate do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, com a tão aguardada (e oportuna) publicação, no jornal oficial, do Regulamento da Ordem dos Advogados, contendo o normativo central que irá disciplinar essa matéria no exercício de tão nobre profissão, nomeadamente no que se refere ao relacionamento da advocacia com as autoridades previstas na lei e ressalvadas as salvaguardas previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados em matéria de sigilo profissional.
Com a concretização desta iniciativa procurou-se, sobretudo, conferir certeza e segurança na atuação profissional dos advogados, garantindo-se, da sua parte, um absoluto cumprimento dos deveres a que se encontram legalmente adstritos no sensível domínio da prevenção de situações de branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo, com as quais possam ser confrontados, uma vez que, como aliás se reconhece no texto motivador deste instrumento normativo, sobre os mesmos incide um alto risco, de acordo com o Grupo de Ação Financeira (GAFI).
Pela natureza e especial complexidade das matérias tratadas pelo normativo ínsito no regulamento, resulta claro que a sua aplicação não será, compreensivelmente, tarefa fácil, exigindo, aqui e ali, cuidada ponderação dos profissionais do foro, sobretudo, atenta a especificidade da advocacia, o fino e valioso equilíbrio entre os deveres legais em causa e o respeito primordial devido ao segredo profissional e à relação de lealdade com os cidadãos que procuram a tutela dos seus interesses.
Do ponto de vista das opções inscritas, verifica-se que algumas espelham, de forma muito clara, o caminho traçado, mas difícil, que todos terão pela frente.
Assim, e em primeiro lugar, destacar-se-á o esforço de promover uma participação mais ativa e empenhada dos advogados no combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, fazendo impender sobre os mesmos, em regime de sociedade de advogados ou em prática individual, um importante conjunto de deveres, como por exemplo, o dever de identificação e de obtenção de informações relativas ao seu cliente ou possível cliente, o dever de proceder ao exame e de diligenciar relativamente a uma operação sobre a qual tenha a suspeita de ser apta a servir de branqueamento de capitais ou financiamento de terrorismo, o dever de comunicação de certas operações sempre que saiba ou tenha a suspeita, devidamente documentada, de que certos fundos ou outros bens, independentemente do valor envolvido, provém de atividades criminosas ou estão conexionadas com o financiamento do terrorismo e, por fim, mas não menos importante, o dever de cooperar com outras entidades, em especial com o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e com a Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária. Neste particular relativo aos deveres, será certamente interessante ver como futuramente se irá densificar, por exemplo, o dever reforçado de exame e de diligência referido, sobretudo de modo a não fazer perigar nunca a delicada relação de confiança em que assenta o mandato forense outorgado.
Perante este bloco de deveres, parece claro que se nada mais resultasse desta iniciativa, o que felizmente não é o caso, a previsão de tais deveres seria, por si só, um aspeto digno de registo, pois os advogados, enquanto garante de confiança de todos aqueles que a eles recorrem, assumem um papel da maior importância na defesa do Estado de Direito e na adequada prossecução do princípio do acesso ao direito e aos tribunais.
Em segundo lugar, a consagração de uma adequada segmentação da responsabilidade pelo cumprimento das obrigações decorrentes do Regulamento, prevendo-se, no caso das sociedades de advogados, que o cumprimento daquelas impenda sobre cada advogado, isto claro está, sem prejuízo das normas de organização interna da sociedade em que esse advogado desenvolva a sua atividade.
Em terceiro lugar, a consagração e respetiva atribuição aos advogados de um importante dever de abstenção de agir profissionalmente relativamente a qualquer operação ou conjunto de operações, presentes ou futuras, que saibam ou que fundamentadamente suspeitem poder estar associadas a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo.
Por último, mas não menos importante, prevê-se uma garantia de confidencialidade, a observar por todos aqueles que tomarem contato com as comunicações e correspondência existentes, bem como a documentação respetiva, respeitantes ao cumprimento da lei em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo.
São, pois, muitos e complexos os desafios que o novo normativo, que se saúda, encerra.
Estamos, ainda assim, otimistas e certos de que os advogados portugueses, uma vez mais, serão parte da solução e não do problema, ajudando, como sabem e como podem, a incrementar eficazmente, pela sua ação e permanente vigilância, o combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
Alea jacta est!