Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)
Como é possível que um governo que mantém leis que permitem a existência de offshores pode combater a sua existência?
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O Governo lançou um plano de combate à corrupção.
Uma possível definição
Sempre que utilizamos esse termo pensamos essencialmente na corrupção dos políticos, mas é um fenómeno mais amplo, podendo atingir, por exemplo, também muitas empresas. Essa opção espontânea é eventualmente porque nos consideramos mais atingidos enquanto cidadãos, ou pagando mais ou tendo serviços de pior qualidade. Contudo esta é uma visão incompleta porque somos nós que sempre a pagamos enquanto consumidores (ora pela via referida ora por menos concorrência e eventualmente preços mais elevados dos bens comprados).
Muitas outras vezes generalizamos e por este termo pretendemos significar toda e qualquer fraude. Contudo, o que está em causa neste debate é o tipo de fraude em que podemos identificar simplistamente como o facto de pagar a outrem ou de este receber uma remuneração adicional para praticar um acto que é inadequado às suas funções.
Nesta crónica e nas seguintes sobre o assunto, tomaremos esta definição como típica, embora tenhamos também que reconhecer que a corrupção é um «camaleão» nas cores e formas que pode assumir e nas designações legais que pode avocar.
Um conceito complexo
A complexidade objectiva deste tipo de fraude designada por corrupção é muito grande e o seu combate, ꟷ pela prevenção, detecção e condenação ꟷ também o é. O seu combate pode pôr em causa princípios fundamentais do Estado e da racionalidade. Abordaremos agora apenas dois, recorrendo para tal à exemplificação simples, quiçá simplista.
Primeiro exemplo: «Um indivíduo tem um salário de 1300 euros, oficialmente casado com uma senhora de família modesta, mas carinhosa, com remuneração semelhante à sua: paga renda pela casa em que habita e tem dois filhos pequenos que frequentam a escola. De um momento para o outro compra a pronto uma casa e um carro que correspondem a muitas décadas de remuneração do casal. Dadas as funções políticas que exerce os vizinhos de imediato admitiram que era o resultado de um acto de corrupção passiva, e de muita ingenuidade, pois ser-lhe-ia fácil colocar essa fortuna num paraíso fiscal, sem dar nas vistas».
Será mesmo o resultado de corrupção?
Há uma forma fácil de saber: dados os acontecimentos descritos seria considerado por um tribunal, ou tão somente pela polícia, como corrupto tendo ele que demonstrar a origem do dinheiro. Se o episódio resultou de ter sido herdeiro de uma tia rica que lhe deixou em testamento uma grande verba é fácil de o provar e nada lhe acontecerá. Caso não consiga explicitar a origem da verba seria condenado. Eis uma forma fácil de eventualmente prender muitos corruptos!
Contudo tal procedimento é uma violação do princípio da presunção de inocência. É um precedente, cuja generalização pode significar o fim da liberdade individual, da democracia nas suas variantes no nosso actual modo de produção, que, por sua vez, seria a impossibilidade de combate das fraudes em geral (como explicamos em crónicas anteriores). Não é por acaso que constitui o n. 1 do artigo 11º do Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948):
“Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas”.
Segundo exemplo: «Numa primeira reunião do governo recentemente eleito foi tomada uma decisão de grandes impactos futuros: contruir um novo aeroporto internacional na zona rural de Xizal e manter durante os dois próximos anos o máximo sigilo do facto. Contudo um mês depois desta decisão histórica um irmão de um ministro começou a comprar nesse local terrenos muito baratos». Conhecido de elementos do governo ou muito próximos dele, foi logo considerado como uma forma de enriquecimento ilícito, comprando por tuta e meia o que daí a dois anos seria vendido por um fortuna. Convictos deste entendimento denunciaram o facto, levando a um processo policial.
Ora porque houve tal compra de terrenos: qual foi a intencionalidade de quem começou a comprar? Três hipóteses: (1) Não houve qualquer relação entre os dois acontecimentos não havendo a intencionalidade de fraude; (2) O comprador foi informado por um membro do Governo tendo este acordado receber um elevado pagamento futuro de forma imperceptível pela informação; (3) A decisão de informar terceiro partiu do proponente da decisão, como forma de evitar que o Estado viesse a pagar aos proprietários dos terrenos preços bastante mais elevados quando a decisão fosse anunciada, evitando a fixação de um preço baixo pela expropriação.
Três hipóteses plausíveis, qualquer uma sendo possível: em (1) não há fraude, em (2)há fraude (corrupção), em (3) não há fraude.
Prevenção
Há, como vimos, três vias de promover uma política anticorrupção.
A prevenção poderá ser a mais eficaz.
Como?