Jorge Fonseca de Almeida, Dinheiro Vivo

Quando pensamos em robôs imaginamos um boneco mecânico, vagamente de formato humano, desenhado para executar as tarefas mais pesadas, repetitivas e desagradáveis. Quando se fala em perda de empregos pensamos na extinção da classe operária e a sua substituição por máquinas controladas por computadores. E, no entanto …

O Guardian publicou esta semana um excelente artigo de opinião inteiramente escrito por um robôs. Este robô não tem forma humanoide, nem consegue levar a cabo trabalhos pesados, a sua existência reduz-se a um programa imaterial de inteligência artificial residente num qualquer computador. O artigo em causa é um ensaio sobre a Inteligência Artificial como avanço inofensivo para a humanidade. Quem apenas lesse o artigo não o teria adivinhado a sua autoria.

Eis toda uma classe de atividades humanas em risco de poderem ser, em grande medida, substituídas por robôs: comentaristas, jornalistas, escritores de divulgação e de todos os géneros de ficção. Toda uma classe do que em tempos se chamava intelectuais orgânicos postos em causa. Potencialmente com vantagem, já que o robôs não se atrasa na sua produção nem tem crises de criatividade.

Seria também o reformular de várias indústrias. As editoras não mais competiriam pela assinatura de novos escritores, mas pelo desenvolvimento e aperfeiçoamento de robôs escritores. Os robôs poderiam inclusivamente aprimorar um estilo, concentrar-se em temáticas específicas e escrever em várias línguas evitando as traições e intervenções dos tradutores.

Hoje já temos robôs que interagem connosco nas redes sociais sem que nos apercebamos da sua falta de humanidade. Alguns absorvem informação e repetem-na. Como papagaios disfarçados. Um caso exemplar foi o de Tay um chatbot da Microsoft que no Twitter ao ser bombardeada por tiradas racistas e de extrema-direita rapidamente se transformou numa máquina repetidora dos maiores disparates. Num Tweet o chabot Tay escreveu que o feminismo é “um culto” e um “cancro” e outras tiradas racistas, machistas e xenófobas. A Microsoft foi forçada a retirar o chatbot. Acabou por ser substituído por outro denominado Zo. Este não se provou diferente e depois de vários comentários inapropriados foi desligado em 2019. Mas Zo conseguiu manter uma conversa fluente e lógica com um humano durante quase 10 horas.

Quando mais aperfeiçoados estes chatbots poderão substituir com êxito muitos dos trabalhadores dos call-centers, uma indústria que emprega dezenas de milhares de pessoas em Portugal, das receções de escritórios, hotéis, aeroportos e empresas. Estes assistentes virtuais já operam um pouco por todo o lado.

Algumas máquinas robóticas são verdadeiramente desconcertantes mas mostram a potencial abrangência dos novos sistemas: uma máquina coloca, champô e lava o cabelo das pessoas, outra consegue perceber o pedido e entregar bebidas e mesmo fazer cocktails substituído o tradicional barman ou os empregados de balcão de pastelarias, uma terceira distribui documentos e pedidos dos clientes no interior de um escritório ou de um hotel, uma quarta ajuda na agricultura espalhando o pólen como uma abelha, mesmo na guerra vão começar a surgir robôs em múltiplas funções, incluindo as de soldado.

Outros apontam áreas tão díspares como os carteiros e os desportistas em que o ser humano pode ser substituído por robôs.

O que vemos não são os trabalhos da indústria mas os dos serviços a ser ameaçados. A estrutura do mercado de trabalho vai seguramente alterar-se.

Temos aqui uma ameaça ao emprego? Globalmente não, antes pelo contrário, o emprego vai continuar a expandir-se. A passagem das carroças para o carro implicou uma expansão do emprego na medida em que é necessário construir estradas, automóveis, manter oficinas de reparação, stands de venda, postos de gasolina, exploração do petróleo, refinação, etc.. Com a inteligência artificial e a robotização será o mesmo. Os robôs terão de ser desenhados, as sua componentes fabricadas, testados, montados e toda uma infraestrutura para a sua interação criada, exigirão alterações nos locais de trabalho, outra escala de funcionamento, etc. Tudo isso requer mão-de-obra, tudo isso serão novos empregos.

Mas certos países especializados nas áreas do passado podem sofrer percas significativas de emprego. Portugal tem uma percentagem elevada de pessoas a trabalhar em áreas ameaçadas pela robotização. Em contrapartida não está envolvido na criação de robôs. A pandemia vai acelerar a introdução e expansão destas tendências. Portugal parece estar do lado errado da equação e, infelizmente, o Plano encomendado pelo Governo nem se debruça sobre este tema quanto mais propor uma estratégia para o enfrentar.