Carlos Pimenta, Expresso online (082 29/07/2020)
Foi com alguma ansiedade que assistimos com preocupação à reunião do Conselho Europeu que decidia sobre o volume dos fundos e a sua forma de utilização nos próximos anos. Ainda carece da luz verde do Parlamento Europeu, mas a parte mais difícil parece já estar encerrada.
As informações transmitidas pelo Primeiro Ministro no período antecedente, informando sobre as possibilidades de um acordo rápido, acabaram por ter o efeito de aumentar a ansiedade generalizada em relação às possíveis divergências entre alguns dos países do Norte, com destaque para a Holanda, num contexto exigido de unanimidade.
Apesar da União Europeia dever ser a tentativa de encarar as problemáticas sociais, económicas e políticas numa lógica diferente da do Estado-Nação, é essencialmente esta que interessa a cada um de nós. Por isso todos sabemos que os 390 mil milhões de euros em subvenções ꟷ a verba que mais nos preocupava ꟷ, Portugal vai receber 15.266 milhões de euros que se dividem em quatro instrumentos: 12,9 mil milhões de euros para o Instrumento de Recuperação e Resiliência, 1,8 mil milhões de euros através do REACT EU — que se destina a complementar o financiamento da coesão para os países da União Europeia nos primeiros e cruciais anos da recuperação após o surto de COVID-19 ꟷ, 116 milhões de euros através de um reforço para o Fundo de Transição Justa e 329 milhões de euros através de um reforço para o desenvolvimento rural (dentro da Política Agrícola Comum).
A estas verbas acrescerão outras como as do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 (29,8 mil milhões) e os do Quadro anterior para investir até 2023 (12,8 mil milhões de euros). O Governo poderá ainda pedir emprestado à Comissão Europeia 10,8 mil milhões de euros.
Aparentemente são muitos milhões mas efectivamente são poucos para promover o efectivo desenvolvimento económico do país.
Além disso temos de ter a consciência que o momento é de efectivação e que esta não é fácil. Há que elaborar documentos com planos de acção e aprová-los. Há que cumprir prazos, há que defender pontos de vista, há que realizar adequadamente nos tempos estabelecidos. Não basta dizer que se vai fazer e criar um grande folclore em volta do anunciado: é necessário fazer mesmo.
Por outras palavras, o principal não foi a decisão declarada «histórica», por muito que o fosse. O principal está na nossa capacidade de realização, o que exige uma diferente atitude das instâncias do poder, uma vigilância de todos nós em relação ao cumprimento do que for decidido, uma rigorosa atitude de combate à fraude e ao branqueamento de capitais.
Foi tomada uma decisão. Agora é preciso modificar as empresas e o Estado. Mudar as instituições, combater muitos vícios nacionais, incluindo a fraude.
Pelas suas posições durante as negociações alguns países, com destaque para a Holanda ꟷ eventualmente por atitudes passadas que quase podemos classificar de racistas ꟷ, foram classificados de “frugais”.
Consideremos a sua atitude em relação a alguns indicadores da fraude. Comecemos por considerar a corrupção.
Limitemo-nos à corrupção política, sabendo de antemão as dificuldades da sua quantificação. Consideraremos para o efeito o estudo “Os custos da corrupção na União Europeia” (The costs of corruption across de UE) elaborado pelo “Greensafe in the European Parlament, Belgica” em Dezembro de 2018:
País | m M € | % PIB |
Alemanha | 104,0 | 4,0 |
Áustria | 10,4 | 4,0 |
Belgica | 21,0 | 6,0 |
Bulgária | 11,0 | 14,0 |
Chipre | 2,0 | 8,0 |
Croácia | 8,5 | 13,5 |
Dinamarca | 4,0 | 2,0 |
Eslováquia | 11,0 | 13,0 |
Eslovénia | 3,5 | 8,5 |
Espanha | 90,0 | 8,0 |
Estónia | 1,6 | 8,2 |
Finlândia | 3,9 | 2,5 |
França | 120,0 | 6,0 |
Grécia | 34,0 | 14,0 |
Holanda | 4,4 | 0,8 |
Hungria | 20,0 | 11,0 |
Irlanda | 5,4 | 4,0 |
Itália | 237,0 | 13,0 |
Letónia | 3,4 | 13,0 |
Lituânia | 4,4 | 11,0 |
Luxemburgo | 0.7 | 2,0 |
Malta | 0,7 | 8,7 |
Polónia | 65,7 | 12,6 |
Portugal | 18,2 | 7,9 |
República Tcheca | 26,7 | 12,0 |
Roménia | 38,6 | 15,6 |
Suécia | 9,4 | 3,0 |
Na segunda coluna estima-se, em milhares de milhões de euros, a perda anual de cada um dos países devido à corrupção e na segunda o seu impacto em termos de percentagem do Produto Interno Bruto.
Quando constatamos que a Holanda é o país menos corrupto e há países europeus com níveis de corrupção 20 vezes superiores, e percebemos claramente o que tal significa, entendemos quase espontaneamente a sua «frugalidade».
Vejamos agora alguns dados sobre a sua caracterização como paraíso fiscal.
Para esta informação assumimos os dados do Índice de Secretismo Financeiro da Rede de Justiça Fiscal (TJN), a listagem mais completa e cuidada obre os offshores. Referem-se a 2020. Na segunda coluna coloca-se a posição relativa na lista aí constante (sendo a primeira posição a das Ilhas Caimão e a última, com a posição 133 as Ilhas Cook) e na terceira o Índice de Secretismo Financeiro, construído tendo em conta o segredo existente e o volume de operações financeiras aí realizadas (entre 1575,19 nas Ilhas Caimão e 12,09 nas Ilhas Cook):
País | Posição | ISF |
Alemanha | 14 | 500 |
Áustria | 36 | 317 |
Belgica | 50 | 236 |
Bulgária | 115 | 58 |
Chipre | 27 | 383 |
Croácia | 93 | 112 |
Dinamarca | 97 | 104 |
Eslováquia | 104 | 91 |
Eslovénia | 128 | 27 |
Espanha | 66 | 164 |
Estónia | 121 | 46 |
Finlândia | 87 | 119 |
França | 33 | 350 |
Grécia | 103 | 92 |
Holanda | 8 | 682 |
Hungria | 75 | 151 |
Irlanda | 29 | 363 |
Itália | 41 | 288 |
Letónia | 65 | 183 |
Lituânia | 105 | 90 |
Luxemburgo | 6 | 849 |
Malta | 18 | 442 |
Polónia | 59 | 212 |
Portugal | 76 | 151 |
República Tcheca | 67 | 163 |
Roménia | 56 | 224 |
Suécia | 64 | 183 |
Depois de confirmarmos a triste realidade de todos os países serem, de alguma forma, paraísos fiscais, constatamos que actualmente os dois mais importantes são o Luxemburgo e a Holanda. Porque este foi um dos «frugais» vejamos o que isto significa.
Seguindo de perto o estudo de meu amigo José Castro (“Impostos: quem paga?”):
“Um recente trabalho de investigadores das Universidades de Copenhague e de Berkeley com o título “Os lucros desaparecidos das nações” (The missing profits of Nations) volta a realçar que 40% dos lucros das multinacionais com sede nos EUA são desviados para paraísos fiscais, alguns na Europa (Luxemburgo, Holanda, Reino Unido e Suíça), diminuindo significativamente (quase 15 mil milhões de euros) as receitas fiscais doutros estados membros da União Europeia.
E quanto a Portugal ? O mesmo estudo aponta que em 2017 o nosso ´país “perdeu” 9% da sua receita tributária, quase 520 milhões de euros de IRC relativos a 2,5 mil milhões de lucros desviados para paraísos fiscais na União Europeia: 180 milhões para a Holanda, 146 para o Luxemburgo, 121 para a Irlanda e 63 milhões de euros para a Bélgica.”
Por estes dados a Holanda não é um país «frugal», mas um Estado da UE que usurpa outros Estados.
Independentemente de qualquer apreciação política global sobre a União Europeia a ética existente é mais uma posse dos seus povos do que das suas elites políticas e empresariais. Logo, há que reinventar a democracia.