António João Maia, Expresso online (081 22/07/2020)
A fraude e a corrupção são fenómenos que apresentam uma natureza oculta, o que significa que uma grande ou significativa parte das ocorrências não chegam nunca ao conhecimento de nenhuma instância de controlo, nem interna das organizações onde ocorrem essas situações, nem, muito menos, a instâncias judiciais de punição.
E a explicação para esta tendência decorre de diversos fatores, dos quais são de destacar: o grande cuidado que em regra os defraudadores colocam nos seus atos de modo a não suscitarem suspeitas; a quase inexistência de testemunhas dos atos fraudulentos; e, quando existem essas testemunhas, a tendência para se remeterem ao silêncio, fazendo-o sobretudo por receio de represálias ou com a perceção de que nenhuma sanção será aplicada ao defraudador.
Não obstante e apesar destas características gerais que o fenómeno tende a evidenciar em todas as geografias, sempre acabam por ser conhecidas algumas situações de fraude e corrupção, despistadas aqui e ali por mecanismos de controlo, prevenção e auditoria interna e também porque sejam objeto de denúncia quando lesam o património ou os interesses de pessoas ou instituições concretas.
O que pretendo explorar neste artigo são precisamente alguns dos elementos conhecidos sobre a fraude e a corrupção ocorrida no mundo e que foram recentemente divulgados pela ACFE (Association of Certified Fraud Examiners). O relatório anual 2020 da ACFE traduz os resultados do estudo relativamente à denominada fraude ocupacional. O estudo foi realizado a partir de elementos colhidos em 125 países e traduzidos num total de 2504 situações de fraude e corrupção praticadas dentro de organizações públicas e privadas por aqueles que nelas exerciam funções.
Dos diversos dados apresentados nesse relatório e das correspondentes leituras que deles são efetuadas, gostaria de destacar os seguintes:
- As 2504 situações de fraude e corrupção estudadas provocaram um dano financeiro avaliado em cerca de 3,6 biliões USD;
- Em média as situações de fraude e corrupção decorreram durante 14 meses antes de serem detetadas, o que é um indicador da capacidade racional dos defraudadores para procurarem ocultar os seus atos;
- Em média, a fraude e a corrupção provocaram perdas de 8.300USD por mês, o que corresponde a um valor médio de cerca de 5% sobre o volume de receitas;
- A corrupção foi a situação fraudulenta mais comum no número de casos analisados;
- A utilização de canais adequados para reporte de situações de fraude conhecidas foi mais frequente nas organizações em que os colaboradores estavam mais consciencializados através de processo formativos e de treino nesse sentido do que naquelas onde não tinham sido dinamizadas sessões formativas com esse propósito;
- Quase metade das situações de fraude e corrupção foram detetadas a partir da sinalização e denúncia apresentadas por colegas de trabalho;
- Os canais mais privilegiados para apresentação de denúncias foram o telefone e o correio eletrónico;
- A existência de instrumentos e medidas de controlo e prevenção de riscos de fraude e corrupção é um fator que reduz a incidência da ocorrência de situações de fraude e corrupção;
- As mulheres tendem a praticar menos fraudes do que os homens (1/4 das fraudes pratcicadas por mulheres e os restantes 3/4 pelos homens) e a causar um valor médio de dano menor que o homem (85.000USD contra 150.000USD);
- 20 % das situações de fraude e corrupção foram praticadas pelos patrões e diretores do topo da hierarquia das entidades;
- Os departamentos onde se verificou a presença de fraude e corrupção em maior expressão foram as operações, a contabilidade, a gestão de topo e as vendas;
- 25% dos autores de fraude e corrupção revelaram estar com problemas financeiros aquando das práticas em causa.
Os elementos destacados, bem como os demais que constam do relatório evidenciam e reforçam as indicações já conhecidas neste âmbito e apontadas por diversas entidades relativamente à gestão das organizações. É o caso da OCDE, que na Recomendação sobre Integridade Pública apela precisamente para a necessidade de um maior envolvimento formativo de toda a estrutura hierárquica, incluindo os colaboradores, na promoção de culturas organizacionais mais preocupadas com as componentes da ética e da integridade, para a importância da existência de instrumentos de mapeamento e prevenção de riscos, incluindo mecanismos de reporte, e para a aplicação de penas efetivas a todas as situações que sejam detetadas e comprovadas.
Talvez seja utópico acreditar que é possível acabar com o problema da fraude e da corrupção nas organizações e na sociedade. Diferente será acreditar na possibilidade de dinamizar e adotar instrumentos de gestão e promoção de culturas organizacionais que, no seu conjunto, permitam um controlo mais eficaz sobre as áreas e situações de risco, que incrementem os índices de ética e de integridade das organizações, bem como o grau de satisfação daquelas que as servem e o reconhecimento daqueles que são os destinatários da sua ação.