Ana Clara Borrego, Jornal i

“A Visão estratégica para o Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020-2030”, depois de algumas arestas limadas, seria, eventualmente, um bom plano estratégico de médio, longo e muito longo prazo para apresentar para Portugal, caso não tivesse existido COVID-19. 

 

Desde o início da pandemia de COVID-19 que a paragem, ou abrandamento, de parte da economia mundial faziam prever uma crise económica sem precedentes a nível internacional, com maior impacto em alguns países, como Portugal, com uma economia mais frágil e, recentemente, intervencionada.

Para combater a crise, o governo português criou várias medidas de apoio às empresas e ao emprego, de onde se destacam: as moratórias de créditos, o layoff simplificado, o apoio à tesouraria e o adiamento de pagamento de impostos e contribuições, entre outros.

Não obstante todos os apoios criados, o inevitável aconteceu: a crise instalou-se e, não obstante o, recentemente, criado, apoio à retoma progressiva da atividade, destinado às empresas com quebras de facturação iguais ou superiores a 40%, a retoma prevê-se muito lenta.

Notem os leitores que não estou a afirmar que os esforços do governo, das empresas e dos seus funcionários, bem como de quem assessorou as empresas neste período, foram em vão, mas sim, que, tal como era espectável, todos os apoios e mecanismos criados não serviram para evitar a crise, mas sim, para diminuir a dimensão da catástrofe, evitando falências em massa e uma onda de despedimentos sem precedentes.

A crise era inevitável, aliás, era um facto incontestável que a pandemia tinha provocado uma queda enorme no PIB nacional, com alguns sectores de atividade totalmente afundados, mormente os que, de alguma forma, dependem do turismo externo e interno, ou das exportações. Faltava quantificar, com precisão, a dimensão da quebra económica sofrida por Portugal.

O governo português chegou a prever uma queda no PIB de 7% para 2020 e dentro dessa linha de antevisão, em abril, o FMI apresentava a projeção, para Portugal, para 2020, de uma variação negativa na ordem dos 8%1.

Todavia, em junho, a OCDE, no relatório de resumo de previsão económica [Economic Forecast Summary (June 2020)] já apontava para uma perda mais acentuada na economia portuguesa para 2020: de 9,4%, para a hipótese de um único pico pandémico, e de 11,3%, caso se viesse a verificar um segundo pico de COVID-192.  Em finais de julho, na apresentação da “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020-2030”, o conselheiro independente contratado pelo governo, António Costa Silva, também, já se referia a uma quebra da economia portuguesa, a rondar os 12%, afastando-se, substancialmente daquela visão mais optimista apontada, inicialmente, pelo executivo.

Finalmente, no passado dia 31 de julho, a dimensão da crise económica oficializou-se, com a publicação, pelo INE, de dados sobre a variação do PIB nacional no primeiro semestre de 2020. De acordo com os dados publicados, o PIB português “registou uma forte contração em termos reais no 2º trimestre de 2020, tendo diminuído 16,5% em termos homólogos [comparativamente com igual período do ano anterior]… Comparativamente com o 1º trimestre de 2020, o PIB diminuiu 14,1% em termos reais”3.

Considerando que, é espectável uma retoma económica lenta e sofrida, e que existe a possibilidade de um segundo (quiçá um terceiro) pico pandémico, as previsões da OCDE para a quebra total do PIB português (no conjunto dos dois semestres de 2020) para valores entre 9,4% e 11,3% configura-se como, cada vez mais, realistas.

Quando comparamos os dados portugueses com os dos restantes países da UE, constatamos que a média de queda do PIB no 1º semestre de 2020 foi de 15%, apresentando Portugal uma descida do PIB acima da média da UE. Acresce que, dessa comparação se destaca que Portugal apresentou a 4ª maior diminuição do PIB da UE naquele hiato de tempo (em relação ao período homologo), numa lista encabeçada pela Espanha, com uma variação negativa do PIB de 22,1%, seguida da França e Itália, com quebras no PIB de 19% e de 17,3%, respectivamente. 

É oficial e preocupante, Portugal foi atingido de forma severa pela crise, com quebras no PIB muito semelhantes às dos países onde a crise pandémica, durante o confinamento, foi muito mais grave.

Infelizmente, este cenário vai tornar-se tanto mais alarmante quanto maior vier a ser o número de empresas que, nos próximos meses, venham a fechar portas, ou nem reiniciem a sua atividade. Destacam-se, no que à fragilidade respeita, alguns sectores de actividade, como, por exemplo, a restauração e hotelaria: muitos operadores, com custos de funcionamento elevadíssimos e um corte substancial nas receitas, devido às regras de lotação dos espaços, encontram-se à beira da falência, e procuram nesta época balnear obter um balão de oxigénio, que, em muitos casos, infelizmente, não será suficiente à sua sobrevivência.

Este é o momento! É absolutamente imprescindível salvar as empresas que estão à beira do abismo, é crucial e decisivo, para que a retoma económica possa vir a alcançar-se. O segundo semestre do ano 2020 é determinante para travar a queda do PIB e a subida dos números reais do desemprego. São necessárias medidas urgentes e de efeito imediato direcionadas para os sectores mais frágeis e para aqueles que são motores da economia.

Confesso que depositei uma boa dose de esperança na estratégica prevista para o “Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020-2030”, mas essa esperança diminui com a sua leitura. Como perspetiva de visão e de missão para o futuro a médio e, principalmente, a longo e muito longo prazo, não tenho grandes comentários a fazer ao referido plano, a não ser que subscrevo, em grande parte, o conteúdo do documento. Obviamente, que concordo com a modernização do tecido empresarial, com a renovação tecnológica da nossa indústria e restante economia (e sociedade), com a aposta nas exportações e outras estratégias de igual índole.

O plano, teoricamente, foi bem concebido, todavia não é razoável (é até utópico) esperar que a economia portuguesa, no estado em que se encontra, presentemente, estará em condições de alcançar num hiato de 10 anos, tão ambiciosos objetivos. 

Saliente-se, que, na minha opinião o plano falha, essencialmente, pelas parcas estratégias com impacto imediato na economia. Parte do nosso tecido empresarial está à beira do precipício, são, pois, tal como já referi, necessárias e urgentes medidas imediatas para impedir a sua queda.

“A Visão estratégica para o Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020-2030”, depois de algumas arestas limadas, seria, quiçá, um bom plano estratégico de médio, longo e muito longo prazo para apresentar para Portugal, caso não tivesse surgido a pandemia de COVID-19. Nas atuais circunstâncias económicas, este plano peca por desconsiderar a importância de lidar com a catástrofe económica presente, para almejar chegar perto do futuro brilhante que traçou.   

1https://www.gee.gov.pt/pt/indicadores-diarios/ultimos-indicadores/30083-fmi-world-economic-outlook-19).

2http://www.oecd.org/economy/portugal-economic-snapshot/)

3https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=445252249&DESTAQUESmodo=2