Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios
A continuação da retração do investimento estrangeiro europeu e norte-americano e a eventual retirada de algumas atividades atirará o país para uma crise ainda maior que significará um empobrecimento relativamente aos outros países europeus.
A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, a retirada dos Estados Unidos de vários tratados internacionais, a atual pandemia, têm vindo a significar uma dupla travagem: a do crescimento mundial e a da globalização.
Ora Portugal tem sido um dos países para onde muitas grandes multinacionais europeias têm deslocalizado algumas das suas atividades (Siemens, Volkswagen, Renault, Bosch, etc., etc.). A travagem da globalização é um risco para Portugal.
Portugal, tendo apostado na especialização em mão-de-obra barata e pouco especializada, está particularmente frágil neste momento. Muitas empresas internacionais estão a encurtar cadeias de produção, chamando a casa muitas atividades que levavam a cabo ou subcontratavam no estrangeiro.
Esse efeito já se nota em Portugal com o encerramento de várias atividades que algumas multinacionais desenvolviam no nosso país e a sua transferência para o país de origem ou para países mais perto das sedes. Até em atividades de baixo valor acrescentado como os call-centers, que praticamente só acrescentam baixos salários, aluguer de instalações e custos de telecomunicações estão já a sair e a retornar aos países de origem.
Tendo a maior parte das suas exportações, da sua indústria, nas mãos de empresas estrangeiras ou de empresas portuguesas que fornecem componentes para empresas estrangeiras, Portugal encontra-se particularmente vulnerável à tendência de encurtamento das cadeias de valor. Alguns parecem imaginar que essa tendência passa essencialmente pelo abandono da China e o regresso das atividades industriais à Europa. É um equívoco. Se a questão é de segurança, então o risco é quase tão grande que a atividade esteja deslocalizada na China como em Portugal. No caso de fechamento de fronteiras, tal como aconteceu na primeira onda da pandemia, tais atividades ficam sempre no estrangeiro quer se localizem na China quer em Portugal.
E, sendo o mercado chinês gigantesco e o português minúsculo o risco de retirada é muito menor em Portugal do que na China, onde as empresas se arriscam a perder volumes de vendas absolutamente cruciais para a sua existência.
A continuação da retração do investimento estrangeiro europeu e norte-americano e a eventual retirada de algumas atividades atirará o país para uma crise ainda maior que significará um empobrecimento relativamente aos outros países europeus e uma onda de emigração ainda maior do que a que tivemos por ocasião da intervenção da troika. Ao trazer atividades deslocalizadas para o interior os países do centro da Europa vão necessitar de um influxo de trabalhadores, o que propiciará oportunidades num momento em que Portugal tenderá a ter um alto desemprego.
O novo plano estratégico para a recuperação não leva em conta estes riscos e prefere pensar apenas no cenário risonho de que as empresas alemãs e francesas mudem parte das suas atividades da China para Portugal. Também não considera que se o risco é a segurança de abastecimento e o custo então os países fronteiriços do centro, leste e do sul da Europa, que estão mais próximo da Alemanha e da França, tenderão a ter vantagem sobre Portugal que está na periferia e que apresenta fortes dificuldades de acesso em caso de pandemias ou outras ocorrências que levem ao encerramento de fronteiras.
O cenário risonho é, pois, pouco provável. Ao não considerar a hipótese de retirada parcial das multinacionais estrangeiras, o plano deixa o país vulnerável e sem resposta para esta eventualidade.
Mas se é verdade que a deslocalização ocidental está em processo de travagem o mesmo não se pode dizer da asiática. A China iniciou com a rota da seda um processo, que tem tido altos e baixos, de deslocalização de várias atividades, olhe-se para a indústria têxtil asiática que se tem instalado em África.
O centro económico do mundo está hoje sediado na região Ásia-Pacífico onde se encontram várias economias muito poderosas, a Chinesa, a Japonesa, a Coreana, a Singapurense, e economias com vastos mercados como a Indiana.
Assim, uma das alternativas para contrariar a travagem do investimento estrangeiro europeu e norte-americano, a retirada parcial de atividades e a redução de exportações para esses países (a começar pelo turismo) encontra-se numa maior proximidade aos mercados asiáticos. É uma alternativa que deve ser cuidadosamente preparada e posta em prática. Sob pena de nos fecharmos num único cenário que é, como vimos, de difícil concretização.