Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios

Porquê ofender deliberadamente a comunidade negra portuguesa? Porquê ofender as comunidades negras imigrantes? Porquê ofender propositadamente todos os portugueses antirracistas? É sensato que a autarquia deixe essa estátua de pé? Seria preferível retirá-la? 

Quando os Estados Unidos chegaram a Bagdá uma das primeiras ações que tomaram, amplamente publicitada, transmitida e retransmitida pelas televisões de todo o mundo, foi derrubar as estátuas de Sadam Hussein. Não recordo de a palavra "vandalismo" ser utilizada.

Como se sentiriam os ciganos e judeus se na Alemanha fosse erguida uma estátua a Rudolf Hoss, o comandante do campo de Auschwitz, mesmo que sob o pretexto de que faz parte da História da Alemanha? Ou como se olhariam os alemães em geral se com a desculpa de que era um grande orador e cultor da língua alemã se não tivessem sido derrabadas as estátuas a Hitler? Ou ainda se lhe erguessem agora uma nova dizendo que na época em que subiu ao poder já outros fascistas estavam bem entrincheirados no Governo, como era o caso de Mussolini e de Salazar?

Se fossem erguidas tais estátuas o seu derrube seria vandalismo? Não me parece, antes uma forma de repudiar o horror e o sofrimento que esses sinistros personagens causaram.

E que pensariam todos os portugueses se alguém nos quisesse impor uma estátua de Miguel de Vasconcelos – não foi ele um ilustre português? Ou de Napoleão – sem dúvida um grande imperador? Porque não uma estátua de Junot – indiscutivelmente um grande general? Todos personagens históricos de primeiro plano.

Se fossem erguidas tais estátuas o seu derrube seria vandalismo? Não me parece, antes uma forma de patriotismo e de repudiar o mal que causaram ao nosso país.

Fazer parte da História não é, por si só, algo positivo. Não é o mesmo ser-se Rudolf Hoss, responsável por milhões de mortos, ou o General Pavel Kurochkin, comandante do 6º Exercito Soviético que libertou Auschwitz. E Junot que invadiu o nosso país, roubou o nosso património e matou milhares de portugueses não pode ser comparado com o General Bernardim Freire de Andrade que tentou combater a invasão.

Não é o mesmo ser-se um esclavagista ou um abolicionista. O valor moral é muito diferente.

Sem dúvida que em certas épocas históricas se cometeram graves crimes contra a humanidade. Quem os cometeu foram indivíduos concretos violentos, sanguinários, criminosos que impuseram a sua política e os sistemas económicos que os favoreciam. Nunca nenhum crime foi cometido por uma "época", nem nunca foi replicado só porque "os outros também o faziam". Sempre houve uma vontade humana, ou um conjunto de vontades humanas, que lideraram e aproveitaram esses crimes.

Quando os responsáveis portugueses implementaram a escravização de seres humanos muitos outros países e reinos não o fizeram. Quando os responsáveis políticos e económicos portugueses mandavam aprisionar pessoas com o intuito de as escravizar, muitos defendiam ser tal ação imoral e criminosa.

Percebe-se que certas estátuas de colonialistas, esclavagistas e racistas, fossem erigidas em determinadas épocas, quando a sua ideologia imperava, quando ainda vigorava a sua ordem. Não se percebe é porque continuam de pé ainda hoje. Por isso muitas, um pouco por toda a parte, estão a ser retiradas pelas autoridades ou derrubadas pelas multidões em fúria.

E enquanto no mundo nas últimas décadas se vem discutindo as formas de sanar as feridas abertas pela escravização de pessoas humanas, enquanto decorre a década internacional das Nações Unidas dedicada aos afrodescendentes, os responsáveis políticos camarários lisboetas resolvem, em atitude provocatória, erguer uma estátua a um dos intelectuais portugueses mais conhecidos pela sua defesa intransigente da escravização de pessoas negras – o Padre António Vieira, sob o ridículo pretexto de que o fazia num bom português.

Porquê ofender deliberadamente a comunidade negra portuguesa? Porquê ofender as comunidades negras imigrantes? Porquê ofender propositadamente todos os portugueses antirracistas? É sensato que a autarquia deixe essa estátua de pé? Seria preferível retirá-la? Sem dúvida que seria a melhor solução! Limpá-la é que parece ser uma medida sem sentido e sem futuro.

Que queremos mostrar ao mundo? Que queremos continuar a venerar e perpetuar as ideias esclavagistas de Vieira? Que não acreditamos na igualdade? Que queremos repetir o erro de Salazar e manter a colonização quando outros descolonizavam? Como diz o estribilho popular: Não em meu nome.

Economista