António João Maia, Expresso online (063 18/03/2020)

A globalização caiu-nos directamente dentro das nossas vidas da pior forma que poderíamos imaginar. Através de um vírus. Através do COVID-19, mais conhecido por Corona vírus, e da sua capacidade imparável para ultrapassar fronteiras e infectar homens e mulheres de todas as idades e classes sociais um pouco por todo o mundo.

E este efeito de alastramento rápido, decorrente sobretudo da grande mobilidade das pessoas por todo o espaço do globo – recordemos que as primeiras notícias da existência desta nova estirpe de vírus surgiram em Wuhan, na China, em Dezembro do ano passado –, tem provocado nas últimas semanas uma verdadeira onda de caos nos hospitais e de pânico nas sociedades.

O pânico existente traduz-se por exemplo nas situações de verdadeiro açambarcamento de todo o tipo de produtos alimentares nos supermercados, deixando as prateleiras literalmente limpas todos os dias, num claro sinal de receio de falta de alimentos e também, porque não referir, de menor civismo relativamente ao respeito e consideração pelos outros e pelos seus direitos.

Mas este pânico deriva sobretudo do facto de não ser ainda conhecido – nem se antever que possa vir a existir nos próximos meses – um medicamento, uma cura ou pelo menos uma forma capaz de neutralizar ou minimizar os efeitos provocados por esta nova estirpe de vírus. E estes efeitos incluem a possibilidade da morte de indivíduos de determinados grupos mais vulneráveis, nomeadamente dos mais idosos, dos mais fragilizados por determinadas patologias e também daqueles que padeçam de doenças crónicas.

E é neste contexto que nos encontramos, cheios de dúvidas – Que raio de vírus é este? De onde saiu? Como se propaga? Como se combate? Porquê tanto tempo fechados em casa em quarentena? – intranquilos e sobretudo com receio de que o contágio possa abater-se sobre nós ou um dos nossos. – A crise do vírus vai mexer com os nossos medos e angústias!

Em reacção à evolução da epidemia – entretanto reconhecida pela OMS como pandemia –, os Estados, através dos Governos, têm vindo a adoptar medidas restritivas da mobilidade das pessoas de modo a reduzir os contactos sociais. Esta é uma solução preventiva que tem em vista a redução do contágio, uma vez que a transmissão e propagação do vírus se faz directamente no contacto entre indivíduos infectados e não infectados e que o estado de infecção se revela num período relativamente longo de 14 dias após esse contacto. A revelação do contágio tão diferida no tempo faz com que o índice de alastramento do vírus seja exponencialmente muito elevado, como de resto tem sido verificado pelos casos da China e agora um pouco por todo o mundo, com particular incidência no continente europeu, nomeadamente em Itália, Espanha, França, Dinamarca, Alemanha e, claro, entre nós, aqui em Portugal.

Esta realidade apresenta um contexto novo, totalmente novo, nunca vivida anteriormente por ninguém das gerações agora em vida. Nunca, na história do homem, se verificou a situação de um número tão grande de países em todos os continentes estarem a lutar ao mesmo tempo com o mesmo agente viral e a adoptar, pela mesma razão, medidas restritivas ao movimento dos seus cidadãos a propósito de conter a sua propagação. – A crise do vírus vai modificar a capacidade de cooperação entre os diversos países do mundo!

Esta espécie de paralisação forçada da sociedade, de Quarentena Preventiva, que se compreende e se aceita, sobretudo em função dos propósitos que lhe estão associados – defender e assegurar a manutenção das nossas vidas de forma saudável – está já a provocar impactos na economia dos Estados e nos mercados mundiais. A procura de bens de consumo, bem como os índices da actividade turística e todas as demais actividades económicas que lhes estão associadas estão a reduzir-se de modo significativo, o que provocará uma previsível crise económica e conduzirá posteriormente a um processo de reajustamento dos atores e das próprias actividades económicas. – A crise do vírus já está a ter e vai ter ainda mais impactos na economia e nos mercados mundiais!

E o recurso ao teletrabalho, opção que está a ser adoptada por muitas entidades que assim continuam a dispor da acção dos seus colaboradores enquanto estes se encontram em casa neste regime de Quarentena Preventiva, vai provavelmente consolidar esta solução de prestação de serviço nalgumas entidades, por permitir uma redução de custos a essas mesmas entidades e aos próprios colaboradores (custos financeiros e de stress associados às deslocações diárias entre a residência e o local de trabalho). E por possibilitar também formas mais motivadoras de organização e gestão do tempo pelos próprios colaboradores. – A crise do vírus vai alterar as formas e os modos de prestação de trabalho, a dinâmica e a cultura das organizações!

Finalmente, questionamo-nos, como é que em pleno séc. XXI, com o actual estado evolutivo da ciência e com uma certa percepção da inexistência de doenças e de agentes nocivos incontroláveis, ainda surge um vírus capaz de nos afectar sem que o conheçamos devidamente e de modo a podermos controlar os seus efeitos? Será este um vírus efectivamente novo que ainda não se revelara e que adquiriu esta capacidade de nos afectar porque o seu desenvolvimento ficou facilitado no contexto das alterações climáticas provocadas pelo efeito do aquecimento global? E será que outros vírus ou outros agentes nocivos podem vir a desenvolver-se igualmente neste âmbito? – A crise do vírus vai alterar a relação do homem com o planeta e com os impactos da sua acção sobre os recursos e sobre o clima!

Em “As epidemias na história do homem” (Edições 70, 1986), Jean-Charles Sournia e Jacques Rffié recordam-nos aquilo que porventura muitos de nós considerávamos ultrapassado ou sem grande sentido. Dizem-nos os autores, na pág. 179, “Os progressos da ciência, particularmente da medicina, foram tais desde há meio século que acreditámos possuir o domínio total da natureza que nos cerca. Nada há de mais falso. O homem continua a ser tão frágil como foi, e a sua adaptação e a sua defesa contra o meio muitas vezes agressivo que o cerca devem renovar-se incessantemente: ele deverá inventar sempre novas armas contra novos inimigos.”