Alexandre Almeida, Jornal i

“Não importa quantos passos foram dados para trás, o importante é quantos passos agora damos para a frente.”

A malograda pandemia COVID-19 aportou profundas alterações ao nosso quotidiano. Seja no trabalho, na família ou na difícil simultaneidade dos dois mundos, apercebemo-nos do quão singela pode ser a liberdade e a vida.
Um simples vírus evidenciou toda a fragilidade do homem e demonstrou como tudo pode ser diferente se assim o quisermos ou se a isso formos obrigados. A família voltou a ser central por confinamento, o respeito pelo próximo obrigatório pelo risco de contágio, o teletrabalho viável e generalizável por imposição do estado de emergência, o petróleo deixou de ser ouro, a vida novamente relevante e o planeta voltou a respirar, numa quadratura do círculo mais justa entre o homem e a natureza.
O COVID-19 contribuiu também para desmistificar alguns dos axiomas económicos e sociais que se transformaram quase em dogmas. Mostrou como, enquanto sociedade e até enquanto famílias, perdemos o sentido de coesão. Mostrou como concentramos os nossos pais e avós em centros logísticos e em plataformas multimodais à espera da passagem para o outro lado. Mostrou o quão dependentes estamos de sistemas que cuidem dos nossos filhos e nos exonerem, tanto quanto possível, do nosso sentir de pais e até os colégios privados nos parecem baratos. Mostrou que vivemos sem ir a um centro comercial e um dia até conseguiremos passar algumas horas longe dos smartphones.
Algures no caminho, esquecemo-nos de nós e com isso olvidamo-nos de que a economia são pessoas, que existe como ciência indutora de equilíbrios, de melhoria do bem-estar e explicativa da natureza humana na sua dimensão mais egoísta, mas também na sua dimensão social e humana na sua completa aceção.
A pandemia evidenciou, uma vez mais, um modelo de globalização desequilibrado, assente num paradigma míope e fraudulento e num racional lógico muito parcial. Em plena crise de abastecimento, a Europa depara-se com a falta de capacidade produtiva, justificada pela deslocalização para oriente pelo primado distorcido do custo, imperfeito na sua real valorização, sendo com os Estados unidos, não os mais ricos, mas sim os elos mais fracos.
Este choque social e económico, infeliz nas perdas humanas, é, igualmente, uma oportunidade de mudança na organização económica e nas doutrinas prevalentes. Se não nos enganarmos, se não sucumbirmos a fraudes intelectuais, individuais, sociais, políticas e económicas, o momento atual pode ser um ponto de viragem e de transformação societal em várias dimensões. Podemos repensar numa completa alteração da organização da produção. O teletrabalho demonstrou que podemos organizar a atividade económica e as famílias de forma diferente, permitindo a descentralização da produção em modelos de geometria variável (e até talvez o interior de Portugal possa ser viável para viver e trabalhar). Nas cidades consegue-se respirar de novo ar puro e afinal, talvez não precisemos de nos enganar de que o ambiente pode esperar até 2050. Na vida, afinal a economia e a família podem coabitar em simbiose e na sociedade, chegou o tempo de nos unirmos, de falarmos verdade e de mudar o racional de decisão económica.
Termino com um provérbio chinês, demonstrativo de como a sabedoria ancestral pode ser inspiradora da mudança. “Não importa quantos passos foram dados para trás, o importante é quantos passos agora damos para a frente.”