Óscar Afonso, Expresso online (062 11/03/2020)

O Norte, onde se concentra boa parte da produção de bens e serviços e das exportações do país, tem sido, por agora, o principal palco do surto coronavírus, mas irá naturalmente alastrar-se por todo o território. Sem um plano nacional de contingência (pelo menos até 3ª-feira, dia 10 de março), instituições públicas e empresas irão, tendencialmente e de modo casuístico, incentivar os funcionários a trabalhar em casa, e encerrarão temporariamente linhas de produção. A produção diminuirá necessariamente e o abrandamento da atividade internacional também terá impacto nas exportações de bens e serviços. Acresce que a redução do comércio mundial afeta preços, atingindo, também, por esta via, exportadores. Atividades caracterizadas pela reunião de grande número de pessoas – eventos, férias, viagens e outras atividades sociais – irão ser continuamente limitadas e os efeitos no turismo, que já representa uma parcela significativa do PIB (Produto Interno Bruto), serão brutais, afetando o restante da economia. Este contexto, conjugado com a queda de confiança, as interrupções nas cadeias de abastecimento e a incerteza subjacente que irá adiar aquisições e investimentos, já teve – e deverá continuar a ter – impacto nas bolsas de valores, seguindo-se uma tendência de instabilidade nos mercados financeiros pelo mundo. O choque não será, portanto, apenas na oferta agregada, mas também na procura agregada: por medo ou imposição, as pessoas deixam de trabalhar e investir, mas também de viajar, fazer compras ou até de sair à rua.

Que isto irá impactar negativamente no crescimento económico é algo que obviamente ninguém duvida. A questão é quanto; teremos abrandamento do crescimento do PIB ou quebra do PIB? Sem o dito plano de contingência nacional, a correr bem haverá abrandamento do débil crescimento económico que nos tem caracterizado, deixando de ser possível alcançar os míseros 2%. A correr mal haverá quebra do PIB. No curto prazo, a diminuição da atividade económica terá impacto na diminuição da receita fiscal – menor cobrança de impostos – e deverá afetar positivamente a despesa pública – desde logo porque previsivelmente aumentarão as despesas com a saúde, mas no pior cenário podem aumentar outras despesas sociais. No longo prazo, menos crescimento hoje significa pior nível de vida no futuro.

O que pode ser feito pelas autoridades para minimizar previsíveis efeitos dramáticos?

Sem grande fé no governo nacional que nem um plano de contingência parece conseguirelaborar e implementar, que já disse uma coisa e o seu contrário e que vai decidindo casuisticamente, muitos poderão pensar que “não há problema, porque o Banco Central Europeu ajudará com uma política monetária expansionista”. Infelizmente tal não é mais possível. Na sequência da injeção massiva de liquidez no sistema financeiro, os juros já estão negativos pelo que a política monetária já esgotou o seu potencial de ajuda, tornando, ainda assim, suportáveis para já os custos das gigantescas dívidas pública e privada.

Outros poderão pensar que “as contas públicas estão agora bem, pelo que o governo pode conduzir uma política orçamental expansionista”. Infelizmente, no caso português, tal também não é possível. Com um crescimento marginal do PIB ou, no pior cenário, com quebra no PIB, um défice orçamental em torno dos 3% pode resultar simplesmente da dimensão da crise – diminuição da receita conjugada com aumento da despesa necessária – e tal significaria um aumento do já monstruoso peso da dívida no PIB, para além do usual aumento da já gigantesca dívida em valor absoluto. Eu tenho dúvidas que seja possível garantir o acesso do país ao mercado da dívida pública eternamente caso o peso da dívida no PIB continue a aumentar.

Conclusão: nem de longe nem de perto, Portugal está preparado para enfrentar uma recessão!

É nestas alturas que vemos a falta que nos faz uma economia competitiva, que não esteja tão dependente do contexto e, sobretudo, da conjuntura internacional. É nesta altura que iremos observar que foi um erro fingir que estávamos bem, que foi lamentável voltar à tendência pouco saudável de penalização da competitividade ganha no período de ajustamento (ainda) recente, e que devemos “meditar” pelo azar com certos políticos “carreiristas” de show off que temos, porque, ignorando quem sabe, também não foram capazes de proporcionar um contexto atrativo para investimento produtivo.

Sem possibilidade de ajuda pelas políticas monetária e orçamental, e sem moeda para desvalorizar, a menos que, por obra e graça do comportamento de todos, o surto viral em curso seja passageiro, “no fim do dia” a competitividade necessária para repor a economia no trilho vai ser de novo conseguida à custa dos salários e do (des)emprego: se houver abrandamento, os salários poderão permanecer congelados e o desemprego aumentará um pouco; se houver quebra, os salários diminuirão de novo e o desemprego disparará.

E, pronto, não saímos disto: pensos rápidos para tudo, gestão casuística da “coisa pública”, passa culpas, contradições e sempre muito pouca ambição em nome da manutenção do poder.