Pedro Moura , Visão online

O principal impacto desta (e de outras) crises surge não por motivos superficiais e de curto prazo, mas sim devido às deficiências estruturais que os nossos atuais paradigmas de organização social e económica apresentam. É necessário mudar as regras do jogo.

Com a crise do Coronavirus tem havido uma grande foco no curto prazo. É natural, dada a urgência de conseguirmos passar esta tempestade.

No entanto, como tenho amplamente tentado lembrar, há um futuro para além desta situação. Temos de começar a pensar no longo prazo, sobretudo na oportunidade de mudança que se nos apresenta. Um crise é sempre uma oportunidade de mudança. Mas uma crise desta dimensão, que toca não só na economia (como outras crises) mas também em dimensões como a saúde e a própria vida em sociedade como a conhecemos.

Esta crise traz ao de cima as desigualdades e potencia o empurrar de uma larga fatia da população para a indigência, abaixo da linha de pobreza. Cada ciclo de crise tem um impacto brutal nas camadas mais baixas da sociedade, levando a desemprego ou salários mais baixos. As pessoas perdem rendimento, o ciclo económico é interrompido, e recorde-se que não pode haver capitalismo sem consumo, nem liberdade sem possibilidade de escolha. E quem não tem rendimento não tem grande margem de escolha.

Para piorar tudo, o nosso traço cultural de aversão ao risco e à mudança é exacerbada por receio de situações de indigência.

O principal impacto desta (e de outras) crises surge não por motivos superficiais e de curto prazo, mas sim devido às deficiências estruturais que os nossos atuais paradigmas de organização social e económica apresentam. É necessário mudar as regras do jogo.

Apoios somente focados nas empresas e na manutenção do emprego não são suficientes, pois não alteram os problemas estruturais e premeiam tanto as boas quanto as más empresas. Considero que proteger más empresas é proteger mau emprego. Mais vale, neste último caso, proteger as pessoas que os empregos.

A próxima crise trará uma nova vaga dos mesmos problemas, se nada mudarmos nos paradigmas base sobre os quais assentamos a nossa República.

Considero que o principal vetor de mudança deverá assentar por finalmente avançarmos para um velho sonho de muitos, entre os quais figuras tão díspares como Thomas Moore, Martin Luther King e Milton Friedman: assegurar a todos os cidadãos um Rendimento Básico Incondicional (RBI) independente da sua condição, estatuto ou situação.

Esta não é uma ideia de esquerda ou de direita: é uma ideia que nasce de ambos os pólos políticos. Não é uma ilusão demagógica de uns quantos loucos: é uma necessidade para a evolução e sustentabilidade da economia de mercado e da democracia liberal.

Os argumentos a favor desta ideia são muitos, ambiciosos e de enorme alcance:

  • Colocar todos acima da linha de pobreza, eliminar a pobreza sistémica e reduzir desigualdades de rendimento de forma drástica;
  • Garantir maior capacidade de aguentar crises (cíclicas) ao colocar um limite mínimo de rendimento para todos os cidadãos (não só em cenários de crise);
  • Reduzir peso e custo do estado com os inúmeros subsídios e pensões, reduzindo a lógica de Estado Paternalista e Subsídio-dependência, e diminuindo os problemas identificados de fraude nestas áreas;
  • Dar mais liberdade de escolha e promoção de evoluções, ensino e adaptação profissional (há várias provas de experiência de RBI que este promove a procura por aumento de qualificações e empreendedorismo)
  • Aumentar a diferenciação e competitividade das empresas, pela necessidade de aumentar atractividade por talento (visto as pessoas não estarem tão pressionadas para aceitar ofertas de emprego de baixo valor)  e consequentemente necessitarem de apostar em atividades e produtos de maior valor acrescentado;
  • Promover maiores níveis de natalidade e equilíbrio vida-trabalho, remunerando o trabalho não remunerado (pais, cuidadores, artistas, etc);
  • Maior paz social e sensação de pertença, com consequente redução da possibilidade de evolução de populismos
  • Sermos um exemplo a nível mundial, aumentando a nossa marca e atractividade (nomeadamente a turismo, investimento e imigração qualificada);

Alguns argumentam que o RBI é uma ideia interessante mas impraticável, sobretudo dado o seu custo. Considero esta argumento uma falácia, senão vejamos:

  • Considerando um RBI de 500€ por adulto (limiar da pobreza em PortugalT) + 250€ por criança;
  • Seguindo uma lógica de Negative Income Tax, ou seja, só as pessoas com rendimento abaixo do valor do RBI recebem (mais aqui: https://www.project-syndicate.org/commentary/why-universal-basic-income-is-a-bad-idea-by-daron-acemoglu-2019-06);
  • Pelas minhas contas o custo do RBI custaria cerca de 5B€ por ano, à volta de 2,5% PIB, ou, por outra perspectiva, menos que um resgate a um banco (mais aqui: https://ionline.sapo.pt/522948);
  • E isto não considerando as poupanças que existiriam a nível da máquina estatal com a eliminação potencial de uma série de mecanismos de apoios (subsídios, pensões, etc) condicionais e das respectivas estruturas burocráticas e humanas;

Ou seja, o RBI, longe de ser uma utopia, é uma realidade bem possível. Haja coragem.

O tempo é agora, ou continuaremos a agonizar em paradigmas económicos e sociais desadequados já nos tempos que correm. A próxima crise virá (que virá!) e os problemas que surgirão serão semelhantes aos desta crise, e aos de crises anteriores como a ‘bolha’ das Dot.Com logo após o ano 2000, ou da sequência de crises financeiras no seguimento da crise do Subprime.

Certamente haverá dificuldade em levar a cabo um projecto tão ambicioso como o RBI. Mas as dificuldades não devem ser um impedimento, pois nada se consegue sem dificuldades.

Sobretudo, nada se consegue sem coragem.

A oportunidade é nossa para agarrar.

Portugal, com a sua diminuta dimensão a nível mundial, foi exemplo histórico quando ousou. E ousou porque nessa altura entre a opção de deixar tudo ficar como estava numa espera conformada pelo futuro, ou encher o peito e fazer-se ao mar, os nossos antepassados fizeram-se ao mar. Abrimos o mundo ao mundo.

Colhamos deste exemplo que é nosso a inspiração para termos agora a coragem de sermos corajosos de novo.

O Rendimento Básico Incondicional é uma oportunidade para agarrarmos o nosso futuro e mostrarmos um novo mundo ao mundo, de novo.

Fontes:

- https://www.project-syndicate.org/commentary/why-universal-basic-income-is-a-bad-idea-by-daron-acemoglu-2019-06

- https://ionline.sapo.pt/522948