Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)
A melhor das medidas é a descida imediata e muitíssimo significativa da carga fiscal, porque beneficia todos na proporção da atividade desenvolvida
Observo que a cada dia se discutem números de infetados e mortos para insinuar que são poucos e que está tudo controlado. Evidentemente que uma morte é muito e quanto aos contaminados a verdade é que o número de testes administrados tem decrescido – dia 20: 2122, dia 21: 1913, dia 22: 1832, dia 23: 1645; dia 24: 1419 –, mas ainda assim aumenta o número de infetados! Obviamente, já todos sabemos, que a taxa de crescimento tem estado artificialmente camuflada. Basta pensar como pode a evolução do número de casos suspeitos ser muito mais acelerado do que o número de infetados. Poupando nos testes, infetados não testados continuam a contaminar inocentemente.
Asseguram-nos que “até agora não faltou nada e não é previsível que venha a faltar”, mas depois ouvimos e lemos testemunhos de profissionais de saúde que nos dizem o contrário: “esta carga emocional aliada às dificuldades de recursos, deixa-nos sem chão”, “parece-me que a comunicação social foi afastada das imediações e só se avançam informações que dão jeito”, “estamos com medo”, “devo estar já contaminado”, .... Cada um que acredite em quem achar mais credível, os políticos ou os profissionais de saúde! Se não faltasse nada certamente não havia encerramento de centros de saúde por contaminação nem havia 160 profissionais de saúde já infetados.
Bem sei, como se diz, que a mentira piedosa consola a natureza humana, mas quando está em causa a vida vale a pena tal consolo? A menos que seja cegueira mental, que, como dizia Saramago, “faz com que não reconheçamos o que temos à frente.” O tempo vai acabar por revelar a verdade porque, infelizmente neste caso, não é possível enganar a natureza. No meio de tanta contradição, não sei o que está para chegar quanto à evolução da doença e quanto aos meios de combate. Sei que cresce a insegurança e a sensação de perda de controlo. Sei que os meios eram insuficientes e que os novos não chegam, sejam ventiladores, máscaras ou testes rápidos. Esperava-se muito do contrário do que se vê e ouve, embora não houvesse grande esperança que fosse diferente. A espera e a mentira ajudam a propagação, e contribui para gerar pânico.
Mas não quero continuar a escrever sobre a morte, prefiro continuar a crónica com economia, que, neste contexto, tem uma importância bem menor, mas que, para alguns, parece ser apenas o que conta, reduzindo tudo a euros. Às vezes fico com a sensação que o objetivo não é chegar ao fim com o menor número de mortos possível, mas com a menor quebra do PIB possível. A este propósito, na imprensa portuguesa e mundial, abundam comentários e previsões de economistas sobre o impacto do coronavírus (o diabo, que infelizmente chegou). Sobre Portugal já vi de tudo, desde crescimento de 1% -- só para rir, claro! – até quebras de 10%. Posso acrescentar mais previsões? A minha relutância decorre do facto de que nós, economistas, pouco sabemos de saúde e temos pouco ou nenhum acesso ao desconhecido futuro.
Não conhecendo o futuro, podemos começar por falar no passado. E o passado recente já revelava que a economia mundial não ia bem. Havia manifestações de crescimento mais lento nos Estados Unidos (EUA) e na China, havia a guerra comercial EUA-China, o Brexit, e conflitos no Oriente Médio. No final do ano passado, início deste ano, veio o novo choque, oriundo da China, sendo a sua dimensão ainda desconhecida. Neste contexto de enorme incerteza, os mercados desconfiam da palavra dos políticos, com razão, pelo que as informações oficiais negativas tendem a ser ampliadas e as positivas descontadas. Sem verdade, as expectativas dos agentes económicos estão naturalmente de rastos, depois de terem estado em alta fruto das políticas monetárias expansivas dos bancos centrais. O otimismo começou por dar lugar ao pessimismo e este já deu lugar ao pânico.
E Portugal? A economia portuguesa, pouco competitiva e muito dependente do turismo, entrou em 2020 com uma dívida gigantesca que, em valor absoluto, não parou de aumentar. Estava presa por “pinças”, pelo arame de uma taxa de juro praticamente nula, assegurada pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelos fundos da União Europeia (UE). Mesmo que nada sucedesse internamente, uma desaceleração da economia internacional teria um efeito considerável sobre as nossas exportações e perspetivas de crescimento. Infelizmente, o contexto alarmante do coronavírus em Portugal diz-nos que haverá muito tempo de muito fraca atividade económica. Bem sabemos que, economicamente, o país vai continuar a ritmo lento. Com muito pouco rigor, podemos ter uma ideia do que se irá passar em termos de taxa de crescimento se atendermos ao número de semanas de inatividade. Se a inatividade corresponder a 5, 8, 11 ou 14 semanas então é de prever uma quebra no PIB a rondar, respetivamente, os 9,6%, 15,4%, 21,2% ou 26,9%. Em qualquer dos casos será uma tragédia, embora naturalmente com dimensões muito diferentes.
Tal significa um aumento do já monstruoso peso da dívida no PIB, para além do usual aumento em valor absoluto, que agora vai ter naturalmente de crescer muitíssimo mais: o BCE vai ter de ir ainda mais longe do que já foi, comprando dívida portuguesa. Significa, enfim, que continuamos presos por um arame, só que agora esse arame estará todo enferrujado, quase a partir, mas ficamos, espero eu, finalmente a saber que não podemos confiar em quem nos mente.
Há muito ligada “à vida” pelo ventilador UE/BCE, perante este choque na procura e na oferta, a economia portuguesa precisará de um apoio direto às empresas e às famílias. Porque é o que faz sentido e porque se o governo pretende que sejam as instituições europeias a suportar o custo do choque faz sentido que os agentes económicos nacionais exijam essa postura do estado. A meu ver, a melhor das medidas é a descida imediata e muitíssimo significativa da carga fiscal (IRS, IRC, IVA e contribuições para a Segurança Social), porque beneficia todos na proporção da atividade económica desenvolvida, conjugada com o reforço dos subsídios de desemprego, do pagamento de baixas e lay-offs, do apoio ao pagamento de rendas e prestações de empréstimos da compra de casa. O que está em curso, a concessão de avales e garantias às empresas para obter empréstimos e a permissão do adiamento de obrigações fiscais, é a garantia de que muitas não voltarão a laborar. Quem, neste cenário, está disposto a ficar (mais) endividado? Esta medida faria sentido se no passado recente tudo estivesse bem, se a crise não fosse tão grave e fosse muito temporária.
Seja pela dimensão da crise, seja pelas medidas até agora adotadas, o que nos espera, nos próximos tempos, não é mesmo nada de bom.