Mário Tavares da Silva, Expresso online (037 18/09/2019)

Vivemos um tempo estranho, prenhe de dúvidas e com poucas ou, diria mesmo, quase nenhumas certezas. Julgamos tudo saber e, afinal, nada sabemos. Estamos, aliás, convencidos de que controlamos, ainda que não saibamos bem ao certo o quê, quando na verdade somos nós os controlados. Controlados por algo que criámos ou, se preferirmos, esse enorme big brother a cuja paternidade não podemos jamais renegar, mas que persistimos em ignorar, confortavelmente sentados no sofá da nossa casa e talvez convencidos de que não resta alternativa.

Enfrentamos hoje um tempo difícil, agrilhoados que estamos numa espécie de orfandade doentia que nos acomete, aqui e ali, impedindo-nos de ser nós próprios, de pensar e de agir diferente. 

Um tempo de ilusões, múltiplas e intermináveis ilusões, de um permanente questionamento sobre temas que nos inquietam e para os quais estamos todos (e ainda bem), cada vez mais, profundamente despertos. Nunca, como hoje, se falou tanto sobre ética, corrupção e outras tantas coisas que, invariavelmente, nos angustiam quando ousamos entrar nesse jargão lexical de uma modernidade em desnorte, inquieta, carcomida pela sua própria ignorância e que procura, aqui e ali, soluções e pistas para os enormes desafios que tem pela frente.

Subitamente o espaço público viu-se inundado de temas da mais variada índole, ligados à gestão da fraude, à ética e à corrupção. Todos querem ser vistos, falar, dizer algo, opinar sobre tudo, em particular sobre o que ignoram.

Uma espécie de fuga para a frente, pois o que interessa é estar presente, fazer prova de vida, ser falado, comentado, ainda que verberando uns dislates que ninguém, incluindo o próprio, irá certamente conseguir explicar.

As organizações públicas assumem, neste contexto, um papel central na pilotagem desta ambiciosa e exigente agenda, promovendo sessões de esclarecimento, construindo e sedimentando pelas múltiplas experiências já adquiridas uma espécie de dicionário da ética aplicada à administração pública, disseminando as boas práticas e, sobretudo, divulgando as que não sejam assim tão boas para que outros nelas não voltem a incorrer.

É importante que todos se sintam parte da solução, que para ela contribuam com as suas experiências, por muito residuais e insignificantes que elas possam parecer, pois às vezes, como todos bem sabemos, é no pequeno detalhe que se encontram as grandes soluções.

Neste particular, um dicionário de ética aplicada à administração pública poderia constituir um bom ponto de partida. Um pequeno dicionário, a lembrar aqueles dicionários de bolso que todos recordamos com saudade dos tempos de estudante, com poucas páginas, de leitura simples, ilustradas preferencialmente e, porque não, de leitura obrigatória nas nossas escolas pelos nossos filhos.

É que também aqui não é diferente das demais matérias que os nossos filhos aprendem. As questões da ética precisam de ser estudadas, discutidas e testadas na sua essência para aferir da razoabilidade das soluções encontradas. 

A métrica da ética não deve, em circunstância alguma, ser uma métrica cega, antes pelo contrário. Deve procurar ajustar-se, de forma fundamentada e transparente, sempre que as situações assim o exijam e ponderadas que sejam todas as variáveis em jogo.

O dicionário da ética aplicada à administração pública poderia constituir-se como esse primeiro exercício de inventariação e sistematização do léxico mais recorrente nos domínios da ética, da gestão da fraude e da corrupção.

Tudo numa linguagem simples e apelativa, capaz de motivar genuinamente os nossos jovens para as questões que emergem nesses preocupantes domínios.

Talvez dessa forma, no futuro, esses jovens, entretanto tornados adultos pela voragem do tempo, em lugar de falar do que não sabem, saberão pelo menos o que as palavras significam.

E, se assim for, que bom que será…!