Ana Clara Borrego , Visão online
Considerando que se trata de medidas de diferimento de pagamento de impostos e não de medidas mais drásticas de redução efetiva de carga tributária, importa questionar se tais medidas serão suficientes para relançar a economia?
Sobre a nuvem negra do impacto do covid-19 (vulgo coronavírus) na saúde, começa a traçar-se um cenário, também, muito negro do ponto de vista económico, com os meios de comunicação social a fazerem, cada vez mais, eco dos efeitos nefastos do covid-19 na economia e nos mercados, até em países onde o surto, do ponto de vista da saúde, dá mostras de parecer estar a ficar controlado.
A recessão mundial causada pelo covid-19 consubstancia-se já como uma inevitabilidade. Os “ventos” vindos da China estão a parar as economias globalmente em duas frentes: por um lado, pelo impacto direto nas economias locais das medidas encetadas por cada país para controlar a propagação do vírus (quer por quarentenas voluntárias, quer obrigatórias), por outro lado, pelo facto de a economia global estar dependente da economia chinesa, por se tratar da grande fornecedora mundial de bens e de componentes industriais, dos mais diversos sectores, espalhadas um pouco por todo o mundo. Por outras palavras, a economia mundial corre o risco de colapsar, por falta de clientes e trabalhadores em alguns sectores, em outros, também, por falta de mercadorias para colocar nas prateleiras e/ou matérias-primas para manter as linhas de produção em funcionamento.
Infelizmente, é expectável que o efeito negativo do covid-19 na “saúde” da economia global e mercados se arraste muito para além do surto na saúde pública humana. Os efeitos desta constatação e a necessidade de encontrar formas de suavizar o seu efeito discutem-se ao mais alto nível, nomeadamente Comissão Europeia, Eurogrupo, G20, G7, FMI e outras instâncias internacionais.
Os governos dos países mais afetados forma pioneiros no lançamento de medidas que venham a permitir mitigar os efeitos negativos do covid-19 na económica, entre as quais medidas fiscais. A China e a Itália, na qualidade de países que encabeçam esta crise de saúde pública, respetivamente, na Ásia e Europa, já em meados de Janeiro (China) e em finais de fevereiro (Itália) diligenciavam para encontrar medidas desta natureza. Neste contexto, a China veio preconizar a redução da carga tributária fiscal sobre as famílias e empresas de menor dimensão como forma de relançar a economia, por via do incentivo ao consumo. A Itália, por sua vez, a 24 de fevereiro, assinou um decreto que suspende, de forma temporária, as obrigações fiscais dos cidadãos e das empresas da zona vermelha.
Também, no início deste mês, os Ministros das Finanças dos G7 ( Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) confirmaram a sua intenção de "usar todas as ferramentas de política apropriadas para garantir crescimento forte e sustentável e se salvaguardar de riscos negativos [do covid-19 na economia]", inclusivamente, medidas fiscais.
Portugal, também, não conseguirá manter-se incólume ao contágio dos efeitos do covid-19 na saúde da económica e dos mercados, constatação essa que deu origem, nas duas ultimas semanas, a dois pacotes sucessivos de medidas governamentais, que visam o relançamento económico, entre as quais, medidas no contexto fiscal.
Assim, no passado dia 9 de março, o governo português adiou os prazos dos pagamentos especiais por conta e da modelo 22 do IRC para 31 de julho, bem como dos pagamentos por conta (e adicionais por conta) do IRC para 31 de agosto. Medidas que foram reforçadas já esta semana (a 18 de março), em conferência de imprensa conjunta dos Ministros da Economia e das Finanças, com as seguintes novas medidas, aplicáveis à maioria das empresas portuguesas:
- Possibilidade, de pagamento em três prestações sem juros (e sem necessidade de prestar garantias) do IVA e retenções na fonte de IRS e IRC do 2º trimestre de 2020;
- Alternativamente, pagamento em seis prestações daqueles mesmos impostos, com aplicação de juros moratórios só relativamente às três últimas prestações.
Considerando que se trata de medidas de diferimento de pagamento de impostos e não de medidas, mais drásticas, de redução efetiva de carga tributária, neste cenário, algumas perguntas são inevitáveis: (i) estas medidas de mero adiamento das obrigações tributárias de pagamento serão suficientes para relançar a economia? (ii) caso venham a ser necessárias medidas mais drásticas para diminuir a carga fiscal sobre as empresas, terão os nossos governantes coragem para as tomar? (iii) caso venham a ser necessárias atitudes mais radicais e haja coragem para as implementar, as nossas contas públicas terão capacidade para as suportar?
Por fim, caros leitores, não é possível deixar de notar nestes pacotes extraordinários uma total ausência de medidas fiscais dirigidas diretamente às pessoas/famílias, questiono-me se as mesmas estarão esquecidas ou farão parte do pacote a anunciar na próxima semana?