Nuno Gonçalves , Visão online

Que consequências na economia pode gerar a propagação do Covid-19? Apesar de ser difícil a identificação da verdadeira natureza do choque na economia, a política orçamental pode ter um papel fundamental na moderação dos efeitos do vírus na economia.

Quando falamos de ciclos económicos, a incerteza na antecipação da próxima crise económica prende-se pelo “quando” e pelo “como” vai acontecer e não tanto pelo “se”. O atual cenário de propagação do Covid-19 começa a levantar preocupações sobre o seu impacto económico a nível global e da probabilidade (para já falamos apenas de probabilidade) de uma nova recessão em alguns países. Num estudo de 2006, Warwick McKibbin e Alexandra Sidorenko1 da Australian National University estimaram que um cenário moderado de uma pandemia de gripe levaria a uma contração da atividade económica mundial na ordem dos 2% no ano do surto.

Que consequências na economia pode gerar o surto recente do coronavírus e que efeitos se podem antecipar a nível orçamental?

Fruto da globalização, a epidemia do Covid-19 tem impacto na economia através do lado da oferta. O encerramento temporário de fábricas na China, devido à propagação do vírus ou ao risco de contágio, levou à disrupção de cadeias de produção e de canais de distribuição com impacto em importantes indústrias na Europa e nos EUA. A falta de componentes leva à interrupção da produção em empresas que deles dependem, e, consequentemente, à contração da oferta na economia.

Com maior impacto para Portugal, o coronavírus pode originar um choque do lado da procura. A generalização do pânico das pessoas, que são naturalmente avessas ao risco, induzido pelo receio de contágio leva a uma alteração no seu comportamento enquanto consumidores. De forma a diminuir a sua exposição ao vírus, o consumo de produtos e de serviços associados, por exemplo, ao sector da restauração e de viagens e turismo é adiado ou cancelado. A quebra potencial no consumo e nas exportações leva ao adiamento de investimento por parte das empresas, o que, por sua vez, leva à amplificação do choque negativo na procura.

Combinados, os efeitos dos choques do lado da oferta e do lado da procura têm o potencial de se traduzirem num cenário de forte abrandamento da economia e aumento do desemprego, com consequências para as finanças públicas na quebra de receita fiscal e contributiva, aumento de transferências sociais (subsidio de desemprego e subsídio de doença) e aumento do consumo intermédio das administrações púbicas (por via do sector da saúde).

A tarefa de moderar os efeitos recessivos do Covid-19 não é de todo simples. Para os decisores de política económica, num ambiente de elevada incerteza e em que a informação é imperfeita, é difícil distinguir entre a quebra na procura causada pelo adiamento de consumo devido à epidemia, de um puro choque do lado da oferta. Contudo, a sua atuação e o uso de instrumentos apropriados depende da natureza do choque que identificam. Perante um choque no lado da oferta, é ineficaz o uso de medidas de estímulo económico a não ser para prevenir que o choque gere uma espiral negativa na economia – “doom loop”. Se o choque for essencialmente do lado da procura a política orçamental tem um papel fundamental a desempenhar, tal como identificado num recente artigo do FMI ,2 ao reforçar os recursos no sector da saúde, ao aumentar os apoios sociais para grupos mais vulneráveis e ao providenciar suporte temporário a empresas com dificuldades financeiras, de modo a instaurar a confiança dos consumidores e empresas na economia.

 

1 https://econpapers.repec.org/paper/eencamaaa/2006-26.htm

2 https://blogs.imf.org/2020/03/05/fiscal-policies-to-protect-people-during-the-coronavirus-outbreak/