Pedro Moura , Visão online

São boas intenções, mas não chegam, não têm chegado. Faltam 75 mil profissionais de TIC, e a este ritmo esta diferença entre o que somos e o que poderíamos ser vai aumentar.

Sendo a minha vida profissional baseada em Tecnologias de Informação e Computação (TIC), é triste para mim constatar que Portugal continua a não conseguir ultrapassar o seu défice estrutural nesta área relativamente aos nossos congéneres Europeus. A ‘economia digital’ já não é a miragem distante de há umas décadas atrás: os países que não conseguirem acompanhar (ou ultrapassar) a marcha dos tempos no que à tecnologia toca ficarão inevitavelmente mais débeis e dependentes económica, social e culturalmente. As TIC devem ser uma aposta estratégica de facto (ou seja, não no papel) para que Portugal consiga almejar algum dia sair da cepa torta a nível económico.

O gráfico abaixo demonstra claramente este nosso atraso no contexto da Europa relativamente ao indicador (Eurostat) de percentagem de população empregada na área de ICT. Este indicador dá uma medida da dinâmica entre procura (organizações que necessitam de profissionais TIC) e oferta (profissionais TIC disponíveis). É sobejamente sabido que hoje em dia esta ‘procura’ é muitos níveis superiores à ‘oferta’, pelo que o principal constrangimento para a melhoria de Portugal neste indicador terá de passar sobretudo pelo aumento da ‘oferta’, i.e., de profissionais de TIC disponíveis, pois estes serão imediatamente absorvidos por um tecido empresarial absolutamente necessitado neste campo.

 

Torna-se, contudo, necessário analisar estes dados numa perspetiva temporal, para se perceber e compreender a evolução deste tema.

A tabela abaixo, compilada a partir de dados públicos do Eurostat e Pordata, dá-nos esta perspetiva, permitindo-nos as seguintes conclusões:

  1. O indicador de percentagem de população empregada em TIC tem aumento em EU28 e Portugal. No entanto a distância de Portugal à média de EU28 tem-se mantido inalterada (média de -1,4 pontos percentuais), mostrando uma incapacidade para conseguirmos recuperar e convergir este indicador com a média EU28;
  2. Assumindo que Portugal consegue ter a mesma capacidade de utilização de população empregada em TIC que o resto da Europa (nada indica o contrário), os indicadores (5), (6) e sobretudo o (7) mostram que o Gap (diferença entre valor potencial e valor real de profissionais empregado de TIC, ou seja, teoricamente quantos profissionais de TIC ‘faltam’ em Portugal) tem aumentado nos últimos anos (de cerca de 42.000 em 2014 para 74.500 em 2018, um aumento de 77%!);
  3. Avaliando-se a hipótese que o nosso sistema de Ensino Superior deveria ser o principal contribuinte para a melhoria destes indicadores (‘fornecendo’ profissionais de TIC para o mercado interno), da leitura do indicador (8) facilmente se percebe que esta hipótese é claramente insuficiente, pois mesmo com uma ligeira evolução positiva nos últimos anos, o número de diplomados em TIC por ano tem representado consistentemente menos de 10% das necessidades totais de profissionais empregados de IT.

Em minha opinião este problema não tem tido a devida atenção por parte dos diversos atores com responsabilidades neste campo:

  • As universidades e politécnico deviam aumentar drasticamente a quantidade de formados e diplomados em TIC, não somente pelos processos normais de ensino (licenciaturas e mestrados em TIC), mas também pelo reforço das aprendizagens TIC em todos os cursos não TIC, pela criação de ofertas formativas de duração mais reduzida para Re-Skilling (conversão de profissionais de uma área para TIC) e Up-Skilling (atualização de conhecimentos de TIC para profissionais de TIC ou outras áreas), e por uma aposta séria (não a que atualmente é feita garantidamente) no fomentar da criação de startups de base TIC a partir das suas fileiras de docentes e discentes;
  • As empresas, quem de mais perto sofre a dor de falta de profissionais TIC, tem de abandonar uma cultura de exigir que os ‘outros’ (governo, universidades, etc) resolvam o seu problema, e passarem a ser uma parte ativa e integrante deste propósito, promovendo (eventualmente com parcerias) processos de Up-Skilling para os seus empregados e investindo ativamente em programas de Re-Skilling de empregados atuais ou profissionais disponíveis no mercado;
  • O Governo tem obviamente um papel fundamental enquanto líder na resolução deste problema, não só ao nível das grandes orientações, da criação de alianças transversais à sociedade e de eventuais incentivos que possa dar para programas de combate a este défice de TIC, mas também na criação de condições para a atração e permanência de profissionais TIC oriundos de outras geografias tais como um programa VISA Tech que seja realmente célere e desburocratizado, incentivos para a permanência de estrangeiros em Portugal, com especial foco em regiões fora dos grandes centros urbano, e promoção de Portugal como um destino de excelência para profissionais TIC.

Portugal está num dos Centros do Mundo, olhando em toda a volta do Atlântico para 3 continentes, com uma timezone compatível com todos eles, temos uma excelente capacidade de lidar e comunicar com pessoas de todas as culturas, as condições enquanto país são do melhor ao nível mundial (segurança, custo de vida, clima, etc), somos reconhecidos hoje em dia como excelentes profissionais de TIC por todo o mundo, pelo que não há razão nenhuma para não nos fazermos devidamente como um HUB de TIC de referência a nível mundial, quer localmente quer trabalhando remotamente.

Certamente muitas pessoas dirão que muito se tem feito nos últimos anos, que há excelentes iniciativas em curso e uma enorme vontade por parte de governantes e empresas de assumir as TIC como um vetor estratégico de desenvolvimento. Estou certo que sim. São boas intenções, mas não chegam, não têm chegado. Faltam 75 mil profissionais de TIC, e a este ritmo esta diferença entre o que somos e o que poderíamos ser vai aumentar.

Quem vai responder ao futuro quando nos perguntarem porque não fizemos mais?

Fontes:

- https://ec.europa.eu/eurostat/web/digital-economy-and-society/data/database

- https://www.pordata.pt/