Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

A OCDE aparenta liderar o combate aos offshores, mas os países que a constituem são responsáveis por quase metade do sigilo financeiro no mundo

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A Rede de Justiça Fiscal (Tax Justice Network) é uma organização com sede no Reino Unido, constituída em 2003 e que tem como objectivo principal actuar sobre “um vasto leque de questões relacionadas com impostos, paraísos fiscais e globalização financeira” visando a ética e a justiça fiscal. Pretende constituir-se como rede internacional, embora ainda esteja aquém das suas possibilidades.

Publica periodicamente um Índice de Sigilo Financeiro (Financial Secrecy Index), o qual mede, através de uma série de indicadores, simultaneamente, o grau de secretismo e a quantidade de operações financeiras realizadas.

São várias as instituições que publicam listagens dos offshores existentes (como a OCDE, o FMI ou muitos dos Estados), mas a melhor é a da TJN porque a listagem é feita a partir de uma definição precisa de offshores e através da consulta de vários tipos de inventários, uns oficiais, outros de cientistas estudiosos do problema; não há conflitos de interesse na TJN (como por exemplo na OCDE), o que é potencial garantia de maior rigor; há um acompanhamento pormenorizado e atento do que é feito em cada offshore. A TJN procede à divulgação clara e rigorosa de todas as suas análises, sempre abertas ao contraditório.

No caso da lista oficial portuguesa também muitas são as incongruências como o demonstrámos em nosso livro Os offshores do nosso quotidiano.

A TJN publicou muito recentemente o Índice para 2020, o que permite explicitar um conjunto de tendências de evolução, embora não nos possamos nunca esquecer da importância primeira do funcionamento da rede constituída por todos eles:

  • A boa notícia é que o sigilo financeiro no mundo está a diminuir (7% no conjunto do índice) embora esteja muito longe da sua inexistência e revelando outras evoluções preocupantes. Tal parece ser o resultado da mais intensa troca automática de informações e a impossibilidade de resolver alguns problemas centrais da lei e da ética sem haver estas tendências: como combater o branqueamento de capitais, o terrorismo, o crime organizado sem limitar alguns espaços privilegiados da sua convivência?
  • a Suíça reduziu a sua posição para o lugar de terceiro maior facilitador de sigilo financeiro do mundo, marcando pela primeira vez que o país não está no pior lugar (cimeiro) do índice desde 2011. A posição cimeira passou a ser ocupada pelas Ilhas Caimão.
  • Simultaneamente um punhado de jurisdições que representam uma grande parte dos serviços financeiros globais contrariou a tendência, nomeadamente os EUA, as Ilhas Caimão e o Reino Unido. O eixo anglo-americano de sigilo constitui agora, de longe, a maior ameaça global de corrupção e abuso fiscal: as Ilhas Caimão passam da 5ª posição em 2015 para 3º em 2018 e agora lideram o índice; os EUA mantêm a 2ª posição, a que ascendeu em 2018.
  • O Reino Unido é o país que aumentou mais o valor do seu índice e lidera uma rede que é composta pelos seguintes Territórios Ultramarinos Britânicos e Dependências da Coroa: Ilhas Caimão, Ilhas Virgens Britânicas, Guernsey, Jersey, Gibraltar, Bermudas, Ilha de Man, Anguila, Turcos e Ilhas Caicos e Montserrat.
  • A OCDE aparenta liderar o combate aos offshores mas os países que a constituem são responsáveis por quase metade do sigilo financeiro no mundo. Tal reflecte um grave conflito de interesses.
  • Na União Europeia manifestam-se tendências variadas: a Alemanha reduz em um terço o segredo financeiro (posições 8ª, 7ª e 14ª em 2015, 2018 e 2020, respectivamente,) o Luxemburgo matem a sua posição (6º nos três anos) e a Holanda tem uma subida meteórica: de 41º para 14ª nos dois anos anteriores e 8º em 2020)

Recorde-se ainda que Portugal (nomeadamente a Madeira) também é considerado um paraíso fiscal ( 78º em 2015, 64º em 2018 e 76º em 2020).