Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

É tudo isto uma surpresa, uma maledicência diabólica nas boas intenções virginais de tantas entidades honestas (em quê?), ou é, antes, algo esperado?

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As revelações documentadas do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação sobre a origem de muitos dos rendimentos angolanos espalhados pelo mundo, utilizando o nosso país como placa giratória da lavagem de dinheiro,  estão na ordem do dia pelas piores razões: os poderes (políticos, empresariais e outros) acolheram com entusiasmo, e carinho, todos esses recursos; as instituições responsáveis pela fiscalização ignoraram deliberadamente a sua função, refugiando-se nas aparências e na burocracia; as personalidades cantadas pelos seus pergaminhos revelam-se sem nojo espantadas e distraídas; os políticos que sorriram e que cantaram odes de louvor estão calados; auditores revelam-se surpreendidamente na senda dos negócios. E, claro, as notícias surgem em catadupa, caminhando por espaços certos ou erráticos, reagindo mais do que conduzindo, gerando nevoeiros na percepção da fraude, que justamente se amplia.

É tudo isto uma surpresa, uma realidade insuspeita, uma maledicência diabólica nas boas intenções virginais de tantas entidades honestas (em quê?), desinteressadas (desde que não seja riqueza!) e independentes (ao serviço de quem?) ou é, antes, algo esperado?

A resposta é dada quando um simples cidadão previu tudo isto há um ano e três meses nas colunas deste mesmo jornal (https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/angola-portugal-esperancas-ruturas/):

  1. Quando lembrou que muitas fortunas angolanas “se radicam na relação promiscua entre riqueza pública e privada de elites políticas e militares, na corrupção, na apropriação indevida de riqueza, na lavagem de dinheiro.”
  2. E o papel do nosso país nestes actos: “Em Portugal quando se fala em cooperação fala-se em investimento angolano em Portugal (não nas crianças famintas ou nos emigrante de ambos os países). Tal significa o alastramento da fraude e corrupção a elites portuguesas (espontânea e planeada), o envolvimento recíproco em negócios desonestos, a acção conjunta em paraísos fiscais, a utilização de Angola «sem lei» por portugueses e de Portugal com oportunidade de negócio e de entrada da zona euro por angolanos.”

Será possível esperar que se investiguem todos os possíveis procedimentos conducentes à lavagem de dinheiro? Será possível que os «reguladores» fiscalizem e regulem? Espera-se que os «independentes» revelem os seus sistemáticos e persistentes conflitos de interesse? Será possível encerrar os «paraísos fiscais»? Enfim, será possível esperar que o «fideísmo nos mercados» se dilua na sensatez, na honradez e na moral?

Talvez seja imprudente admitir tal,  mas duas coisas são certas:

  • Há muitos cidadãos e instituições que continuam a lutar por tal.
  • Tende a não haver cidadãos acima da lei!