Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)
Facilmente se percebe que o Governo tem manifestado publicamente dois amores: o equilíbrio orçamental e aumento do bem-estar social
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1. Os últimos tempos da Assembleia da República têm sido exclusivamente ocupados com o Orçamento Geral do Estado para este ano. É perfeitamente compreensível o fervor então causado porque fazer política é viver um tempo de projecto, é fazer hoje o que se considera necessário para se construir um futuro que se deseja.
Contudo parecer-nos ia oportuno que ao fim dum ano se tivessem apuradas com rigor as contas do Estado, se analisasse com rigor o que se planeou e o que se realizou e que essa comparação também ocupasse tempo de análise de tão importante órgão da democracia. Não basta definir projectos. É necessário distinguir o que se planeou com o que, na realidade, foram meras quimeras. Continuar a insistir apenas em algumas estatísticas, esquecendo as outras, torturar os números para que eles digam o que se pretende, é a continuação de um logro profundamente lamentável.
2. Analisemos então o essencial do que foi dito.
Facilmente se percebe que o Governo tem manifestado publicamente dois amores:
- O equilíbrio (ou excedente) orçamental
- Aumento do bem estar social.
Com o primeiro amor, perfeitamente legítimo e puro, visa garantir condições económico-financeiras para possíveis crises futuras (afinal estas existem mesmo!), diminuir a dívida pública (estrondosamente grande!), mostrar aos ditos «mercados internacionais» das suas boas intenções e baixar a dívida, garantir sorrisos em todos os políticos e burocratas da União Europeia. Talvez mostrar a esta a sua disponibilidade para a servir e, dessa forma, garantir um futuro posto de trabalho numa instituição internacional.
Com o segundo amor, obviamente também legítimo e acompanhado pela população deste país, visa garantir o respeito pela dignidade humana, retirar da miséria muitos, garantir mais acesso à cultura de outros, reconstruir a classe média (condição da estabilidade social), melhorar os serviços públicos, mostrar que é viável colocar os homens no centro dos objectivos futuros, mesmo nesta sociedade que aumenta o fosso entre ricos e pobres, desvia rendimentos da produção para a especulação. Talvez garantir os votos e a manutenção do poder de receber e dar «benesses», manter uma regulação que nada vê, fechar os olhos ao poder do crime organizado.
Se os dois amores são possíveis é um debate legítimo e salutar. Se não há reforço do logro: só melhorar as condições de vida dos mais desfavorecidos não é um amor, é um adultério.
E que dizer da consciência desta realidade? Se não há, é ingenuidade, se há é fraude.
E se existe, é das mais vis, mas legal!