Pedro Cunha Neves , Visão online
Estudos recentes mostram que o controlo da corrupção não tem um efeito poderoso sobre o ritmo de crescimento económico em Portugal. Este resultado é surpreendente dado, por um lado, os níveis relativamente elevados de corrupção em Portugal no conjunto dos países desenvolvidos e, por outro, os efeitos nocivos que a corrupção pode ter ao “legitimar” a prática de ações fraudulentas na sociedade.
Num estudo recente, um grupo de professores e investigadores da Universidade do Minho debruçou-se sobre a análise dos fatores determinantes do crescimento económico nas últimas décadas em Portugal. O estudo, intitulado “Crescimento da Economia Portuguesa” e promovido pela “Associação Missão Crescimento”, procurou identificar os principais fatores por detrás do fraco crescimento da economia portuguesa registado ao longo deste século. Procurou também quantificar em que montante é que a taxa de crescimento económico em Portugal poderia aumentar caso o país registasse, num conjunto de dimensões tidas como cruciais para o crescimento e para o desenvolvimento económico, um desempenho semelhante ao dos países da União Europeia e da OCDE mais bem posicionados.
Os resultados do estudo mostram que é sobretudo ao nível da dimensão capital humano que os efeitos sobre o crescimento económico são mais pronunciados. Por exemplo, se a percentagem da população adulta com pelo menos o ensino secundário completo fosse igual à da mediana dos países da União Europeia e OCDE, o crescimento económico anual português seria superior ao que é hoje em 1,26 pontos percentuais. Considerando que a taxa média de crescimento anual da economia portuguesa durante este século foi inferior a 1%, um aumento daquela magnitude faria muita diferença. Tal facto não é completamente inesperado, tendo em conta, por um lado, o papel crucial para o crescimento económico que a teoria económica e os dados empíricos atribuem à educação e ao capital humano e, por outro, o défice significativo, por todos conhecido, que o nosso país apresenta a este nível.
Os resultados do estudo evidenciam ainda que melhorias ao nível do sistema bancário teriam também impactos muito significativos sobre o crescimento da economia portuguesa. Por exemplo, melhorias ao nível da eficiência operacional ou da quantidade de crédito malparado poderiam amentar o crescimento anual em 0,67 e 0,91 pontos percentuais, respetivamente. Com base em estudos anteriores, os autores realçam a ideia de que o padrão do financiamento concedido pela banca durante o início deste século, assente na concessão maciça de crédito a setores menos produtivos, prejudicou o crescimento da economia portuguesa.
O estudo analisou ainda em que medida é que o crescimento económico português poderia aumentar com melhorias no funcionamento das instituições. Os resultados mostram que não tanto como nos dois casos anteriores. Ainda que o fator institucional seja, como se sabe, um dos determinantes fundamentais do crescimento económico (captando um conjunto muito diversificado de dimensões, que vão desde a eficiência governativa até ao funcionamento do sistema judicial, do grau de instabilidade sócio-política até ao nível de corrupção, respeito das liberdades económicas e fundamentais, etc.), no caso de Portugal os efeitos estimados no âmbito do estudo são moderados. Apesar de o nosso país se encontrar abaixo da mediana (e bem abaixo dos 10 países mais bem colocados) em domínios como o controlo da corrupção e a qualidade da regulação, melhorias a estes níveis teriam efeitos pouco expressivos no crescimento do PIB – 0,32 pontos percentuais no caso da qualidade da regulação e 0,06 pontos percentuais no caso do controlo da corrupção.
É curioso o efeito estimado pouco expressivo que o combate à corrupção em Portugal teria sobre o crescimento económico. Tanto mais que a esta conclusão tinha já chegado um outro estudo recente elaborado por investigadores da Universidade de Coimbra, já comentado numa crónica neste espaço no mês passado.
Quererá isto dizer que a corrupção não interessa ou interessa pouco para o crescimento económico? Não necessariamente. Em primeiro lugar, porque o efeito da corrupção tende a diferir de país para país, de acordo com o seu nível de desenvolvimento e a qualidade das suas instituições. Tende, em particular, como vários estudos demonstram, a ser mais pernicioso para o crescimento económico em países menos desenvolvidos, onde a qualidade institucional é mais reduzida. Em segundo lugar, porque a corrupção é um conceito complexo, multidimensional e de difícil quantificação. Existem vários índices de corrupção, cada um deles captando diferentes dimensões do fenómeno, pelo que é provável que a utilização de diferentes índices possa conduzir a diferentes estimativas quanto ao seu efeito sobre o crescimento económico. Em terceiro lugar, mas não menos importante, porque a corrupção tende a arrastar consigo outros efeitos nocivos, dificilmente captados nos índices existentes. Designadamente, a corrupção e a incapacidade ou falta de vontade para a combater, tendem a “legitimar” comportamentos fraudulentos numa sociedade. Mesmo que o controlo da corrupção possa ter um papel menos significativo para o crescimento da economia portuguesa, certamente não queremos construir um ambiente social e económico em que a falta de ética e a fraude económica sejam recorrentes. Sem dúvida que, combatendo eficazmente a corrupção e reduzindo os comportamentos ilícitos na atividade económica, Portugal e a economia portuguesa terão um desenvolvimento mais saudável a longo prazo.