José António Moreira , Visão online
A instalação indiscriminada e acrítica de aplicações no ‘smartphone’, que, não raras vezes, nem percebemos como funcionam, nem as reais consequências que do seu uso podem resultar.
Nos últimos meses têm vindo a público casos de fraudes cometidas com o uso da aplicação ‘MB Way’, que permite, com facilidade, efetuar pagamentos e transferências de dinheiro entre portadores de ‘smartphones’ que a tenham instalada. Genericamente, a fraude ocorre por desconhecimento do defraudado quanto ao modo de funcionamento da aplicação. Aquilo que é um mecanismo de segurança – o receber uma mensagem no telefone para confirmar o pedido de pagamento/transferência – torna-se a alavanca da fraude, quando o número que é adicionado à aplicação pelo defraudado é o do defraudador. O inadequado comportamento do utilizador tende a ser a maior debilidade da aplicação.
A profusão de aplicações grátis disponíveis para instalação num ‘smartphone’, aliada ao facto de a capacidade de memória e armazenamento deste tipo de aparelhos não ser mais um constrangimento, estarão entre as principais razões para a instalação indiscriminada e acrítica que tendemos a fazer das mesmas. O pior de tudo é que, não raras vezes, nem percebemos muito bem como funcionam, nem temos a mínima perceção das reais consequências que do seu uso podem resultar. De modo particular, quando se trata de aplicações relacionadas com a disponibilização de serviços financeiros, os cuidados na instalação e utilização deveriam ser redobrados. Se a este tipo de desconhecimento se juntar, em geral, um nível de cultura financeira relativamente reduzido e desatualizado, o risco que se corre aumenta exponencialmente.
Em termos médios, em Portugal, esse nível, nas suas vertentes literacia e numeracia, já conheceu piores dias. No entanto, isso não significa que atualmente seja satisfatório. Pelo contrário, continua a apresentar graves lacunas. O Banco de Portugal efetua um inquérito sobre o tema, quinquenalmente. Esta regularidade permite verificar como é evolui este tipo de conhecimentos na população. Se em 2010, 40% dos inquiridos não comparava a taxa de juro quando contratava um crédito à habitação, e 41% optava pelo que apresentasse a taxa mais baixa, o de 2015, já mostra algumas melhorias neste domínio. No entanto, em média, os cidadãos continuam a revelar profundas lacunas, tanto em questões gerais de numeracia financeira – por exemplo, 58,4% dos inquiridos acerta no cálculo de juros simples, mas apenas 39,5% reconhece o efeito dos juros compostos; como em conceitos de literacia diretamente relacionados com produtos financeiros – por exemplo, 82% identifica corretamente o saldo de uma conta de depósito à ordem num extrato bancário, mas apenas 21,4% sabe o que é o ‘spread’ e 10,5% o que é a Euribor. Também, a um nível básico, ainda há uma substancial parte que não é capaz de compreender o significado de TAN (Taxa Anual Nominal), de TAEG (Taxa Anual Efetiva Global) e MTIC (Montante Total Imputado ao Cliente), e a diferença entre estes indicadores que recorrentemente encontram em folhetos promocionais que tenham subjacentes uma componente financeira.
Em termos de comparação internacional, a situação não é mais favorável. Um estudo da Standard and Poor’s de 2015, efetuado num conjunto de 144 países, sobre conceitos financeiros de cálculo, juros compostos, inflação e diversificação de risco, colocou Portugal na 111ª posição. Lugar pouco honroso, onde as maiores debilidades respeitaram a este último conceito.
Sem prejuízo da importância que um bom nível de cultura geral pode ter na vida de cada pessoa, o da cultura financeira tende a sobrepor-se-lhe. Num mundo financeiro, como aquele em que vivemos, este último tipo de cultura pode ser considerado um instrumento de sobrevivência, pode marcara diferença entre quem domina e quem é financeiramente dominado.
O esforço de formação da população mais jovem, nomeadamente em escolas do ensino básico, não poderá deixar de produzir efeitos para futuro. Mas este processo de formação tem de ser contínuo, formação ao longo da vida. Embora os conceitos financeiros fundamentais sejam estáveis, estão sempre a surgir ‘novidades’ desafiadoras propostas por quem lidera a inovação financeira, o que implica da parte dos cidadãos extrema flexibilidade na aplicação de tais conceitos. É como se, no treino de tiro ao alvo, este estivesse constantemente a mover-se, de um lado para o outro, implicando da parte do atirador a flexibilidade e rapidez para o atingir. Em suma, não basta conhecer os conceitos, é necessário saber aplicá-los a diferentes contextos.
Um exemplo que permite ilustrar essa necessidade de flexibilidade. Um ‘teste’ aplicado a alunos do primeiro ano de um curso de licenciatura em Economia, com frequência de uma unidade curricular de cálculo financeiro e conhecedores do funcionamento genérico do IVA. Supondo a necessidade de aquisição de um computador com um preço de venda ao público de 1000 €, os alunos foram colocados perante a escolha do estabelecimento onde efetuar a compra: na Rádio Popular, no âmbito da campanha “Dia sem IVA”; ou na Worten, em dia da campanha “Desconto de 20%”. Cerca de 2/3 dos alunos optaram pela primeira, porque “23% de IVA é mais do que 20%”. (Ressalve-se que no ‘teste’ não se incluiu a informação sobre o facto do desconto da Worten ser atribuído em cartão, o que implicará compras futuras para que alguém dele possa usufruir.)
A ilusão financeira a funcionar! A opção maioritariamente escolhida é, em termos financeiros, a menos favorável, porque a taxa de IVA não incide sobre o preço de venda ao público. Para o valor atribuído ao computador o desconto da Rádio Popular ascenderia a 187 €, contra 200 € da Worten. Portanto, mesmo uma situação tão simples consegue iludir cidadãos com um nível de cultura financeira superior à média. Imagine-se o que pode acontecer quando alguém vai contratar um empréstimo, com consequências que se podem fazer sentir por muitos e longos anos.