Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)

O potencial de crescimento das economias de mercado continua efetivo desde que os mercados estejam assentes em bases institucionais sólidas.

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As mudanças económicas e financeiras operadas sobretudo no pós-década de 80 tornaram as economias mais diversificadas, intensificando as interconexões entre agentes económicos. A maior diversificação criou uma infinidade de relacionamentos que, se, por um lado, tornaram o sistema económico mais robusto contra pequenos choques, também tornaram a economia mais vulnerável a certos eventos, mal regulados, devido aos feitos de dominó entre instituições financeiras, empresas e famílias. Nesse sentido, anos de acalmia económica podem continuar a ser seguidos por tempos voláteis, embora de uma volatilidade diferente.

A par disso, o ciclo de negócios também mudou. O funcionamento do sistema de mercado e a dinâmica da inovação, que constituem a sua essência, passaram a envolver uma dose pesada de destruição criativa, onde empresas, procedimentos e produtos existentes são permanentemente substituídos por novos. Esse processo tem introduzido correlações e co-movimentos adicionais no comportamento dos agentes económicos.

Paralelamente, embora se compreenda que mesmo mercados competitivos sem restrições se baseiam em leis e instituições que garantem direitos de propriedade, a execução de contratos e regulam o comportamento dos agentes e a qualidade dos produtos e serviços, cada vez abstraímo-nos mais do papel das instituições que apoiam, regulando, as transações de mercado. Esse esquecimento da importância das instituições de apoio ao mercado sobressai sobretudo nos políticos, cada vez mais atraídos por noções ideológicas desligadas dos fundamentos da teoria económica. E então deixamos que as suas políticas e retórica pouco consistentes definam a agenda do pensamento sobre o mundo.

Poucos considerarão que a monitorização existente do mercado é suficiente contra comportamentos oportunistas e muitos podem até considerar que mais monitorização representa um fracasso da teoria económica. Não é a minha opinião. Na verdade, o reconhecimento de que os mercados vivem de fundações estabelecidas por instituições, de que mercados livres não significa mercados não regulados, enriquece a teoria económica e a sua prática. Para que o mundo funcione melhor, com maior previsibilidade, há, pois, que enveredar por uma teoria económica que esteja mais afinada com os fundamentos institucionais e regulatórios, algo que, no entanto, é difícil face à média da qualidade dos políticos.

Por exemplo, considero que, em abstrato, a ganância não é boa nem é má. Quando canalizada para um comportamento competitivo, inovador e maximizador de lucro, sob os auspícios de leis e regulamentos sólidos, pode atuar como o motor da inovação e do crescimento económico e é boa. Quando desmarcada das instituições e de regulamentos apropriados, degenerará em corrupção e crime, e é má. Ora é precisamente a teoria económica quem fornece orientações claras sobre como criar os sistemas de incentivo e as estruturas de recompensa certas para transformar a ganância em motor de progresso ou, dito de outro modo, em algo de bom e, portanto, em fonte de crescimento económico.

Outra noção que também foi destruída por eventos recentes é a de que se poderia confiar nas grandes e antigas organizações face à sua “reputação de capital”. A fé nessas empresas ficou abalada por todo o mundo ocidental – veja-se o BES no caso português. A confiança na capacidade de auto-monitorização ignorou que, mesmo dentro dessas organizações, a monitorização é feita por indivíduos cujas motivações podem não estar alinhadas com a maximização do valor da organização.

Os períodos de crise revelam-nos, pois, a necessidade de prestar mais atenção às questões institucionais e regulatórias ou, por outras palavras, ao crescimento económico, pois mudanças modestas nas taxas de crescimento atuais terão impacto significativo dentro de uma década ou duas. Assim, do ponto de vista político, deve ficar claro que sacrificar o crescimento económico é sempre uma má opção; é o crescimento económico e só o crescimento económico que permite garantir que a geração futura viverá melhor que a presente. Existe amplo acordo teórico e empírico sobre os papéis do capital físico, capital humano e tecnologia na determinação do nível de produto e do crescimento. Também são conhecidos os papéis que a inovação e a realocação desempenham na propagação do crescimento económico e reconhecem-se as linhas gerais da estrutura institucional que possibilita a inovação, a realocação e o crescimento a longo prazo. Se atualmente desfrutamos de prosperidade tal é devido às inovações que ocorreram em software, hardware, telecomunicações, produtos farmacêuticos, biotecnologia, entretenimento e no comércio.

Até as inovações financeiras, “contaminadas” pela recente crise, são na maioria dos casos socialmente valiosas e contribuíram para o crescimento. É verdade que títulos complexos foram usados indevidamente para assumir riscos, descarregando o seu lado negativo sobre inocentes. Porém, se regulados adequadamente, permitem diversificar riscos e reduzir o custo de capital das empresas, podendo potenciar o investimento e, portanto, o crescimento económico.

Em suma, a engenhosidade tecnológica é a chave para a prosperidade e para o sucesso da economia capitalista; ou seja, para o crescimento económico que, no entanto, só ocorrerá se a sociedade criar instituições e políticas que incentivem a inovação, a realocação, o investimento e a educação.

As mudanças que temos vindo a observar não revelam fracasso do capitalismo ou do livre mercado, revelam sim fracasso de mercados não regulados e, em particular, do setor financeiro não regulado e da gestão de riscos. O potencial de crescimento das economias de mercado continua efetivo desde que os mercados estejam assentes em bases institucionais sólidas.