Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)

A democracia exige muito mais; exige instituições fortes e inclusivas, que não existem

Na minha última crónica no Expresso online dei conta de mais uma obra notável dos também notáveis economistas Daron Acemoglu e James Robinson, The Narrow Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty. Nesta nova obra, explicam como a liberdade floresce e é próspera, apesar de ameaças, em alguns Estados, e se observa autoritarismo ou anarquia noutros. O cerne da questão é, pois, perceber porque existem Estados democráticos entre as alternativas de autoritarismo e de ilegalidade.

No novo livro constroem uma nova teoria sobre a liberdade humana e as suas fontes. A liberdade dificilmente é a ordem “natural” das coisas. Na maioria dos lugares e das vezes, os fortes dominam os fracos e a liberdade é anulada pela força ou pelos costumes e normas. Nesses casos, os Estados são fracos para proteger os indivíduos contra as ameaças, ou são fortes para que as pessoas se protejam do despotismo.

A tese dos autores é, pois, a de que as perspetivas de liberdade e prosperidade se equilibram entre a opressão estatal (despotismo), e a ilegalidade e violência que a sociedade frequentemente inflige a si mesma (anarquia). Dar demasiada vantagem ao Estado sobre a sociedade leva ao despotismo e construir um Estado fraco em relação à sociedade origina anarquia. A liberdade surge quando se alcança um certo equilíbrio entre o Estado e a sociedade. Neste caso as pessoas estarão livres de violência, de intimidação e de outros atos humilhantes, e devem ser capazes de fazer escolhas livres sobre as suas vidas e de ter os meios para as realizar sem a ameaça de punições irracionais ou sanções sociais. A liberdade exige luta contínua de modo a preservar instituições políticas abertas e a sociedade civil precisa de “correr” cada vez mais rápido para acompanhar líderes autoritários e restringir as suas tendências despóticas.

Segundo os autores, existe um mito ocidental de que a liberdade é uma construção durável, resultante de um processo de “iluminação”. Essa visão estática é uma fantasia! O caminho para a liberdade é estreito e permanece periclitante por via de uma luta fundamental e incessante entre Estado e sociedade. Sair desse caminho significa entrar no caminho da ruína em direção ao despotismo ou à anarquia.

Os autores examinaram a panóplia de casos que a história oferece para mostrar como os países podem afastar-se do caminho da liberdade. Observam que, atualmente, precisamos mais do que nunca de liberdade e que, no entanto, o corredor para a liberdade se tem tornando cada vez mais estreito e traiçoeiro. O perigo no horizonte não é “apenas” a perda da liberdade, mas a desintegração da prosperidade e da segurança que dependem criticamente da liberdade.

Sendo tão difícil de alcançar, como foi possível atingir Estados democráticos? A liberdade subjacente vem da luta social. Não há um um modelo universal para a liberdade nem há condições específicas que a originem. O conflito entre Estado e sociedade cria o tal corredor estreito em que a liberdade floresce. Se a sociedade é fraca ocorre despotismo, mas, por outro lado, se a sociedade é forte e os Estados são fracos e são incapazes de proteger os seus cidadãos emerge a anarquia.

Acemoglu e Robinson enfatizam que, a menos que a sociedade civil permaneça vigilante e seja capaz de se mobilizar contra pretensos autocratas, a regressão autoritária será o caminho. A luta entre Estado e sociedade auto reforça-se, conduzindo a que ambos desenvolvam uma gama mais rica de capacidades para seguir em frente ao longo do corredor estreito. Contudo, essa luta também ressalta a natureza frágil da liberdade. Baseia-se num equilíbrio frágil entre Estado e sociedade, entre elites (económicas, políticas e sociais) e cidadãos, e entre instituições e normas. Se um lado da balança fica muito forte, a liberdade começa a diminuir.

E que lições decorrem daqui para Portugal? A distribuição de renda, sem lógica económica – porque muito fruto do nível exagerado de corrupção existente – é tão distorcida quanto em qualquer plutocracia. As instituições políticas representativas do país estão há 20 anos sob ataque de um único partido político, e praticamente sob a alçada das mesmas pessoas, e estão decididamente muito frágeis. A democracia exige muito mais; exige instituições fortes e inclusivas, que não existem. Exige uma distribuição que atenda ao esforço e ao mérito, direitos que protejam também quem está excluído da mesa de negociações, quem não acede ao orçamento, quem, enfim, não têm recursos, voz ou poder, os vencidos mas cidadãos. O acordo político que praticamente dura há 20 anos entre eleitores e o partido socialista favorece o empobrecido das instituições e, na sequência, da democracia – assistimos à emergência da democracia eleitoral “comprada” – sobre a verdadeira democracia. Felizmente pertencemos à União Europeia, mas mesmo assim não sei se a sorte dura sempre!