Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

A economia paralela (ou uma parte dela) é fraude e crime, mas apenas uma parte do existente na sociedade

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1.Na última crónica sobre este assunto constatámos que a economia paralela é analisada em relação à contabilidade social (essencialmente nacional), oficialmente elaborada para servir de suporte a uma política económica mais eficaz. É a economia não registada na contabilidade nacional, no sistema estatístico, no registo das empresas.

Referimos ainda que ela é uma realidade em todos os países, com intensidades diferentes.

Terminámos com uma pergunta: “o seu valor (entre 7% do Produto Interno Bruto e 38% na Europa) corresponde às fraudes e crimes existentes numa sociedade?”

A resposta mais comummente assumida é a afirmativa ꟷ assumida mesmo por alguns ministros de áreas que exigiam maiores conhecimentos ꟷ, mas provavelmente não é a mais correcta, o que exige previamente responder a duas outras questões: (1) Como é constituída esta economia paralela? (2) Todas as fraudes e crimes estão englobados nessa rúbrica?

Vamos por partes.

2. É possível encontrar diversos critérios de classificação das rúbricas constitutivas da economia paralela, mas para fugirmos a essa temática, adoptamos pela posição da OCDE que, hoje, funciona frequentemente como referência:

  • Errar é humano, como se costuma dizer de uma forma excessivamente simplista, o que acontece com todo o sistema estatístico, donde resultam os «erros e omissões» na contabilidade nacional.
  • Só o visível é economicamente registável, considerando-se habitualmente que só o é aquilo que passa pelo «mercado», entendendo este como o espaço social de confronto de compradores e vendedores. Tal não acontece, por exemplo, quando o agricultor vai buscar os legumes para o seu almoço à quinta que é sua e tratou, ou quando uma comunidade se junta e decide construir com o seu próprio trabalho uma igreja na sua aldeia. São as situações de «autoconsumo».
  • Porque estão no desemprego, porque têm poucos rendimentos para sobreviver, por práticas ancestrais ou outras, há pequenas actividades “que operam à margem da lei, ou então não são abrangidas na prática, o que significa que a legislação não lhes é aplicada, embora operem no âmbito da lei ou, ainda, a legislação não é respeitada por ser inadequada, gravosa ou por impor encargos excessivos”. Costumamos designar estas actividades por «biscato», mas é uma forma excessivamente simplista para englobar a grande diversidade de práticas e motivações. É a este conjunto de actividades muito diversificada que constitui a «economia informal».
  • Todos nós conhecemos as actividades que pela natureza do que é produzido ou comercializado constitui uma clara violação das leis em vigor: da droga à escravatura, do tráfico de seres humanos a muito armamento, os exemplos são muitos. Um caso recente de criação de empresas com identidades roubadas, apropriadoras das economias de muitos cidadãos burlados por promessas de lucros excessivos ꟷ versões actuais do «bilhete de lotaria premiado» ꟷ e posterior desaparecimento das empresas com o dinheiro alheio, é uma demonstração que muitas destas acções são obra de organizações criminosas profissionais. Se a este mundo imenso juntarmos as actividades legais realizadas por entidades sem autorização para as praticar temos a «economia ilegal».
  • Finalmente a «economia subterrânea» “comporta as transacções económicas legais que não são, ou são apenas parcialmente, declaradas para evitar pagamento de impostos e contribuições” ou outros encargos legais. É a «fuga aos impostos», mesmo utilizando os «alçapões da lei», sempre rica destes buracos.

3. Duas observações antes de respondermos à pergunta lançada na passada crónica:

  • Porque a contabilidade nacional consegue superar muitos dos erros e omissões, corrigindo-os ou estimando-as e há muito encontrou formas de quantificar o autoconsumo, a economia paralela engloba essencialmente as três últimas rúbricas: as economias informal, ilegal e subterrânea.
  • Em muitas situações, temporais e geográficas, uma grande parte da economia informal é socialmente benéfica, atenuando o desemprego oficial, mantendo a sobrevivência e uma vida mais digna de uma parte da população.

4. Retomemos então a resposta à pergunta.

É profundamente errado considerar que o valor da economia paralela corresponde às fraudes e crimes existentes, essencialmente porque muitas actividades de «fuga aos impostos» exigem o registo contabilístico (ex. contabilidade e relatórios manipulados, muitas fraudes ocupacionais, actuações «legais» nos offshores, facturas falsas, etc.). Logo , registadas na contabilidade nacional.

A economia paralela (ou uma parte dela)  é fraude e crime, mas apenas uma parte do existente na sociedade.