Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)
Os proprietários da exploração e a elite dirigente e técnica estarão ligados ao litoral, deixando no interior apenas e tão só a poluição. Até quando estarão os transmontanos disponíveis para continuar a “fartar vilanagem”?
Todos sabemos que o secretário de estado da energia, João Galamba, leva um ano de atividade e que tem tido um mandato que, no mínimo, pode ser classificado de conturbado. Não vou discutir se dispensou a EDP de devolver 73 milhões de euros aos consumidores, que cobrou a mais. De acordo com o Expresso “Este valor correspondia a alegados ganhos em excesso obtidos pela EDP”, terá sido “iniciado com o ex-secretário de Estado da Energia”, mas “não deverá avançar com o atual titular da pasta”. Portanto, o secretário de estado socialista João Galamba favoreceu a poderosa EDP em relação aos consumidores. Também não vou discutir se é verdade que remeteu para as calendas gregas o resultado da investigação da Autoridade Reguladora do Sector Energético (ERSE) por ter detetado e denunciado a EDP como sendo responsável por um “dano para o sistema elétrico nacional e para os consumidores de cerca de 140 milhões de euros”. Do mesmo modo, não é minha intenção falar das notícias que dão conta de estar acusado pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) de impor alterações legislativas que colocam em causa os poderes regulatórios e de entregar o negócio de recolha de resíduos orgânicos urbanos à empresa EGF, do grupo Mota-Engil.
É evidente que, para mim, os assuntos anteriores confirmam a fraqueza das nossas instituições e são a prova viva da captura do estado por alguns, sempre os mesmos, conforme tenho vindo a escrever. Nessa sequência, já não há espanto com a banalidade com que emergem os casos de corrupção, com os valores envolvidos e com a origem dos beneficiados. Estou absolutamente convencido que, caso as autoridades – polícia judiciária e ministério público – tivessem os recursos devidos, a banalidade da deteção de casos corrupção seria mais que multiplicada pelo acréscimo de recursos. Talvez por isso, com os políticos atuais, esses recursos nunca aumentem e, a menos que haja uma refundação do sistema, a tendência é, portanto, para que diminuam.
Mas, para além de tudo isso, o que hoje me interessa discutir é o caso absolutamente estranhíssimo que envolve a entrega, pelo referido secretário de estado, de uma licença com direitos exclusivos de mineração de lítio, na zona de Montalegre, a uma empresa constituída três dias antes da decisão. Mais um negócio à portuguesa, que suga recursos do “amado” interior para, “por desígnio nacional”, enriquecer particulares pertencentes a um partido? A avaliar pelas notícias trata-se de entregar a maior refinaria de lítio da Europa a uma empresa que não tem qualquer histórico de atividade ou know-how na mineração e produção de lítio ou em qualquer outro minério, que ainda não tem atividade e já está envolvida em processos nos tribunais por litígios entre os sócios, que no projeto que submeteu ao governo se comprometeu a apresentação um capital social de um milhão de euros mas que afinal são só 50 mil euros, que apresenta como "consultor" financeiro um ex-governante socialista, e que tem a sua sede registada numa morada que é uma junta de freguesia controlada pelo PS – onde já chega a falta de vergonha!
Já nem quero discutir a captura do estado em curso de que cada vez mais portugueses se vão dando conta. Sobre isso, acredito que mais cedo ou mais tarde chegará o dia em que a insustentabilidade da captura fará acordar a generalidade do povo. Mas, como transmontano, choca-me a falsidade do governo sobre o desejo de contribuir para a diminuição do atraso do interior – o “amado” porque “coitado” interior! Mais uma vez, os proprietários da exploração serão do litoral e a elite dirigente e técnica desempenhará as suas funções também no litoral, deixando, no interior, apenas e tão só a poluição. Choca-me que se considere a exploração de lítio em Trás-os-Montes como um “investimento de desenvolvimento local”, mas que, em Montalegre, irá criar apenas os postos de trabalho que mais ninguém deseja. O que está em causa é a nacionalização do empreendimento, ao abrigo do interesse nacional (entenda-se de Lisboa), para concessionar a uma empresa privada “muito estranha” a sua exploração, cujos detentores de capital jamais contribuíram para a melhoria da massa crítica social da região.
Resumindo, será mais um investimento que o estado promove no interior que, em vez de criar efeito de replicação, favorecerá interesses particulares e concentrará ainda mais o emprego e a riqueza no litoral, alargando o fosso entre as regiões. Neste processo, choca-me sobretudo imaginar que possa haver transmontanos com responsabilidade que, ignorando os conterrâneos que lhe deram projeção, se vendam e “facilitem” esta exploração a troco de nada para a região, pouco para o país e muito, mas mesmo muito, para meia dúzia. Até quando estarão os transmontanos disponíveis para continuar a “fartar vilanagem”?