Mário Tavares da Silva, Expresso online (019 15/05/2019)
A vida tem riscos e ainda bem que assim é. Felizmente para nós, uns controlamos. Outros, para nosso azar, nem por isso. Sucede, no entanto, que na sociedade digital dos metadados, dos algoritmos, das criptomoedas e das fake news, a equação está manifestamente desequilibrada, com assinalável vantagem para os segundos. E esse simples facto não constitui seguramente uma boa notícia para a vitalidade dos regimes democráticos.
A este propósito, trago à memória a ainda hoje inspiradora ideia de Winston Churchill quando vaticinava, com razão refira-se, que “…a democracia é o pior dos regimes, à exceção de todos os outros”.
Mas se assim é, porque crescem então os movimentos populistas um pouco por toda a parte?
Estaremos nós a renegar mundialmente à democracia liberal, entreabrindo a porta a alguma espécie de autoritarismo populista?
Em alguns países europeus e do outro lado do Atlântico, mas não só, antevêem-se sinais de preocupação ou, pelo menos, que nos devem fazer parar um pouco e pensar.
Sobretudo, porque vivemos um tempo em que o populismo surge como uma espécie de paracetamol, indicado que está para o alivio das dores persistentes da nossa democracia, oferecendo às massas discursos pungentes e avassaladores que num ímpeto de uma irracionalidade ancestral e primária, elas desejam ardentemente ouvir.
Os seguidores são como que arrastados pela força do carisma dos respetivos líderes, combinada, por sua vez, com uma ardilosa e eficaz propaganda que se desenvolve, em grande parte, no palco principal das redes sociais, doutrinando-os, enganadora e insidiosamente, com recurso a uma cartilha ideológica salvífica que a todos promete, sem exceção, libertar da impiedosa guilhotina democrática.
É a ideia, repetida ad nauseam, do «nós» contra «eles», travestindo-se, aqui e ali, como nos ensina Umberto Eco, na forma mais perigosa de intolerância.
Num tempo de crise das múltiplas e diversas soberanias nacionais, em larga medida resultante da amputação de significativas parcelas de soberania económica, orçamental e territorial dos Estados e, também, de uma clara intensificação dos fluxos migratórios mundiais, o populismo campeia, gangrenando e corroendo impiedosamente os alicerces da democracia e aspirando, desenfreadamente, à liderança de uma (in) desejada nova (des) ordem mundial.
Os líderes populistas autoritários comungam de uma mesma estratégia, carregando as notas discursivas aqui e ali, em função da dor sentida pelos seus seguidores. Defendem, entre outras coisas, que as economias estão sequestradas pelos investimentos estrangeiros, que não existe espaço para a empregabilidade dos nacionais perante o gigantesco fluxo migratório e que as instituições democráticas não são credoras de confiança.
A ascensão do populismo marca pois por assim dizer e de forma decisiva, o regresso à política do confronto, personalizada num líder que encarna em si todas as chagas não cauterizadas dos seus seguidores, contando, pelo caminho, com o precioso auxílio de uma disfarçada democracia de plataformas, cuja principal missão é a de irradiar mensagens de ódio e de suspeição sobre tudo o que possa parecer democrático e sobre tudo o que possa transpirar liberdade. A ambição desmedida dos seus lideres pauta-se por um programa de desmantelamento do sistema democrático e dos pesos e contrapesos que o equilibram, jogando tudo no plano da total submissão ao seu controlo das instituições críticas que oxigenam o sistema.
Persegue-se, ao fim e ao cabo, a substituição da ordem pelo caos, da normalidade pela emergência de um estado de total ingovernabilidade, em que os seguidores se preocupam não tanto com os seus medos individuais, mas com os seus medos coletivos. É, de uma forma simplista, a explosão dos medos pelo medo de todos.
Os populistas reprimem e ostracizam as minorias, atacam dissidentes, estrangulam direitos e liberdades individuais e esmagam sempre, sem tergiversar, todos os que se atravessem no seu caminho.
No final do dia, e se nada for feito, as contas serão dramáticas para todos nós.
Desprovidos de liberdades individuais e na ausência total de instituições democráticas, em especial as de controlo, o passo para o abismo será curto, rápido e extremamente doloroso.
A corrupção instalar-se-á, definitivamente, como principal suporte à perenidade das lideranças autoritárias.
O problema já não será apenas o de existir corrupção, pois também ela existe nos sistemas democráticos.
A diferença, que não é de somenos, é que nada existirá então para a conter.