Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

Pode haver corrupção e não ser conhecida, assim como pode haver a suspeição da sua existência e não existir

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1. O nosso grande escritor (religioso, filósofo e orador) do século XVII Padre António Vieira utiliza a palavra «corrupção», logo no início do seu célebre Sermão aos Peixes: “Vós, diz Cristo Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?”. Fá-lo para exprimir o resultado do apodrecimento, da putrefacção. É este o significado etimológico da palavra.

Hoje corrupção tem um forte significado pejorativo, é um tipo de crime considerado no Código Penal, significando para muitas pessoas, tudo o que não está bem, todo o tipo de fraude. Frequentemente estabelece-se uma relação directa entre esse «crime» e a actuação dos políticos. Contudo, ultrapassa bastante o seu âmbito, apesar de no aludido Código se referir ao “exercício de funções públicas”.

Pegando no que está aí definido, podemos dizer que há corrupção quando duas ou mais pessoas (agentes activos e passivos), individuais ou colectivas, directamente ou por interpostas pessoas, visam que uma das partes (passiva), em contrapartida de vantagens, ou promessas, patrimoniais ou não patrimoniais, pratique um qualquer acto ou omissão (identificado ou não), em qualquer momento do exercício profissional, contrários aos deveres do cargo.

Logo:

  • Há corrupção no exercício de funções públicas ou privadas
  • Há corrupção no comércio e outras actividades internacionais
  • Há corrupção nas actividades desportivas ou lúdicas
  • Há corrupções ilegais ou violadoras das normas institucionais, mas também legais (ora simplesmente violadoras da ética vigente, ora ainda sem norma jurídica)

Sendo os conflitos de interesse um dos suportes, longe de ser único, da corrupção, a sua não declaração pode ser ꟷ se posteriormente houver desvio do comportamento adequado ꟷ o prelúdio de corrupção.

Apesar do carácter necessariamente telegráfico deste texto gostaríamos ainda de reforçar os seguintes aspectos:

  • Tanto é corrupto a pessoa activa como passiva, apesar de frequentemente se atender apenas no comportamento do corrompido.
  • Mais informação sobre os actos susceptíveis de corrupção pode ser vantajosa para a prevenir, mas a correlação de forças entre os corruptíveis e os outros é desfavorável a estes.
  • Mais informação exige, simultaneamente, mais fiscalização, controlo e punição.
  • Leis sobre o lobby podem ser úteis mas também podem facilitar, e dar cobertura legal, à corrupção.
  • Há uma dimensão cultural da legalidade, das normas e da ética, que pode embaciar a observação da corrupção no plano internacional.

2. “À mulher de César não basta ser séria, é preciso parecê-lo” é uma frase popular que reflecte a diferença que tende a existir sempre entre o que acontece e a leitura que as outras pessoas fazem dessa realidade.

Este hiato entre a realidade em si e a apreciação que é feita dela aplica-se intensamente à corrupção porque esta, sendo um logro, não é detectável: pode haver corrupção e não ser conhecida assim como pode haver a suspeição da sua existência e não existir. Uma coisa é a corrupção existente e outra a sua percepção.

Diferença que é tanto mais importante porque as nossas posições sobre a corrupção são essencialmente comandadas pela nossa percepção. E esta pode, em democracia e com as tendências de «generalização» que muitas vezes temos, objectiva ou subjectivamente, ser maior que aquela.

Estejamos atentos. Sejamos cuidadosos!