Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

A economia não registada calculada é apenas uma estimativa e como tal deve ser assumida, e não como um valor exacto

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Nas duas crónicas anteriores

  • constatámos que a economia paralela capta a actividade económica não contida na contabilidade nacional;
  • porque há pessoas, individuais ou colectivas, ou que estão à margem do normal funcionamento dos mercados (economia informal), ou que exercem actividades proibidas pela lei (economia ilegal) ou, ainda, deliberadamente violando as regras fiscais (economia subterrânea).
  • Constatámos que a economia paralela pode ter aspectos positivos em certas situações de desenvolvimento e do andamento cíclico da economia, essencialmente associados ao emprego e à superação da miséria (essencialmente pela economia informal);
  • e que a economia subterrânea está aquém da totalidade da fraude fiscal, pois uma parte significativa desta exige a inclusão de valores na contabilidade das empresas e, consequentemente, na contabilidade nacional.

Hoje procuraremos responder a uma última questão que nos é feita frequentemente: Como é possível quantificar o que não é observável?

De uma forma genérica diremos que nos devemos socorrer de toda a informação disponível, tendo grande atenção à veracidade das informações recolhidas e à realidade de cada país e época. São exemplos dessas informações os resultados das actividades das polícias  e as suas estimativas (ex. em relação ao tráfico de droga); a comparação de dados e seus diferenciais (ex. consumo de electricidade segundo as empresas e produção e distribuição e o seu uso pelas actidades observadas); a utilização da moeda (ex. sabendo que certas operações exigem notas de elevado valor ou que certas igualdades são inevitáveis entre variáveis «reais» e «monetárias»); os resultado de inquéritos à população, etc.

Estes eram os procedimentos habituais há umas décadas, mas que chocavam com várias dificuldades: há muitos aspectos da realidade que ficam por analisar; alguns procedimentos são muito caros ou exigem muito tempo; muitas informações são confidenciais; certas actividades têm impactos difusos; os erros de estimativa e cálculo são diversos; há uma certa subordinação epistemológica aos paradigmas científicos socialmente dominantes, etc.  A estes problemas de cálculo junta-se um outro: as técnicas dos diversos países são diferentes de um para o outro e são alteráveis no tempo, o que dificulta, ou inviabiliza, a comparabilidade dos dados no tempo e no espaço.

Este último problema seria resolvido pela utilização de um único modelo, como o método monetário (ex. MV=PQ) ou de indicador global (ex. utilização da electricidade), mas aumentava, eventualmente o erro.

Nos anos 80/90 foi descoberto o método da variável latente, possuindo rigor matemático, que consiste em calcular a economia paralela (variável latente) a partir de um conjunto de dados estatísticos que são indicadores, causas ou consequências da economia paralela. A utilização das mesmas variáveis em diversas situações torna os dados comparáveis. Daí se ter generalizado a utilização dos modelos MIMIC: a variável latente é calculada a partir de uma bateria de indicadores e causas.

Muitos problemas foram solucionados com a utilização destes modelos.

Contudo nestes modelos há dois, eventualmente três, problemas: (a) As «causas» e as «consequências» têm de ser dados sistematicamente disponíveis estatisticamente, pelo que tendem a não englobar muita da actividade ilegal; (b) subestima outras informações que existem disponíveis, a que fizemos alusão anteriormente; (c) muitas vezes na escolha das variáveis há, implicitamente, a adopção de  modelo teórico da Economia de um determinado paradigma (ex. o da «racionalidade económica», ao admitir que pagar o mínimo de impostos é uma questão de «eficiência» económica).

Por outras palavras,

  1. a economia não registada calculada é apenas uma estimativa e como tal deve ser assumida, e não como um valor exacto;
  2. pode haver algum conflito entre as comparações no tempo e no espaço, devendo-se verificar como foram feitos os cálculos e considerar apenas o diacrónico ou o sincrónico;
  3. tende a subestimar, ou a não considerar, uma grande parte da economia ilegal.

Consideramos que o modelo MIMIC ao utilizar dados estatísticos disponíveis conduz essencialmente ao cálculo do que é considerado a «economia sombra»: economia subterrânea e economia informal. Subestima a economia ilegal.