Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

Frequentemente, as fraudes são cometidas pelas elites económicas e políticas, mas somos todos nós a pagá-las.

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1. No último quarto de século muito se tem falado da transparência, muito se criou de normas e procedimentos visando uma melhor leitura da actividade económica, da capacidade de acompanhamento da actuação do Estado, de conhecimento mais pormenorizado da actividade administrativa. O grande desenvolvimento tecnológico deste período, nomeadamente na informática e no funcionamento compatível das redes à escala mundial, reforça essa vontade de cada um de nós e da sociedade civil de «controlar o mundo».

Porque a democracia é um valor maior da nossa evolução civilizacional e, durante o referido período houve um alastramento da sua importância relativa ꟷ forte ainda hoje porque até os movimentos ditatoriais aparentam respeitá-la, como via de legitimação e prossecução dos seus pérfidos objectivos  ꟷ, porque a democracia aconselha «controlo popular» e porque para a grande maioria dos cidadãos a liberdade é das mais amadas referências do nosso quotidiano, todos nós, espontaneamente defendemos a transparência.

Multiplicam-se, aparentemente, as iniciativas em torno da sua concretização.

2. Curiosamente constatamos que o período acima referido também é um período de intensas actividades realizadas à margem da contabilidade nacional, de sistemática fraude fiscal, de expansão de um vasto conjunto de infracções económico-financeiras, incluindo muitas fraudes ꟷ pela sua natureza desconhecidas até à sua detecção ꟷ, incluindo algumas de que há crescente percepção (particularmente sentidas pelo impacto nas nossas vidas, como, por exemplo, a corrupção).

É um período de financiarização ꟷ com correspondente aumento da importância relativa das actividades improdutivas e especulativas ꟷ de ampliação das desigualdades económicas, com correspondente sobrevivência nos limiares da pobreza de sectores muito vastos da população mundial, em  que a apropriação da riqueza passa pelo agravamento da assimetria da informação  económica e por actividades eminentemente especulativas. A criminalidade organizada transnacional reforça o seu poder, o branqueamento de capitais é vastíssimo, e há todo um conjunto de facilidades criadas pelos Estados para a prossecução deste tipo de actividades (como são os offshores).

3. Em síntese, ao mesmo tempo que se propõe transparência para garantir simetria de informação nas actividades económicas e promoção de uma política antifraude, aquela diminui e esta é parcialmente ineficaz. Frequentemente as fraudes são cometidas pelas elites económicas e políticas, mas somos todos nós a pagá-las.

Coincidência? Necessidade de reforçar a transparência para resolver estes grandes problemas da humanidade?

Ou será que em vez de aumento da transparência estamos dominados pela ideologia da transparência e acreditamos erradamente na nossa capacidade de superar a natureza do sistema económico vigente?

Por outras palavras, será a «transparência» uma forma de acção socialmente relevante ou um discurso que mascara o sistema social em que vivemos, “mostrando apenas a sua aparência e escondendo suas demais qualidades” (Wikipédia)?

Lançaremos algumas pistas de reflexão nas próximas crónicas.