Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)
A visibilidade dos intervenientes faz com que nos esqueçamos de comparar o nosso salário de subsistência com a luxúria desse novo-riquismo
...
1. Numa passagem rápida pela «caixa noticiosa» ꟷ que todos dias forma uma «opinião pública» débil e desviada de muitos problemas fundamentais para o futuro de cada de um de nós, da sociedade em que quotidianamente nos integramos e da humanidade a que pertencemos ꟷ nos deparamos com grande frequência de debates televisivos sobre acontecimentos efémeros e bombásticos da primeira liga do futebol.
Enquanto o clubismo forja argumentos altissonantes sobre a «compra dos árbitros», com a aparência de um realismo que até o «ceguinho vê» ꟷ apesar da repetição frequente do lance que decorreu em microssegundos ꟷ muitas das fraudes, e outros crimes, cometidos no desporto ficam sem qualquer referência: a viciação das mais diversas modalidades desportivas, a compra dos resultados em jogos sem qualquer tipo de mediatismo, a compra e ameaça de morte, de jogadores, treinadores e outros agente desportivos, a multiplicidade de formas de contrapartida de favores recíprocos, as ligações de vários intervenientes ꟷ sobretudo dirigentes e intermediários de operações financeiras ꟷ a organizações criminosas, a panóplia de roubos, fuga aos impostos e lavagem de dinheiro.
Nas modalidades mediáticas estamos sistematicamente no «negócio do desporto»: das luxuriantes verbas das transmissões televisivas aos contractos publicitários, dos salários de alguns intervenientes à localização de alguns eventos desportivos. Muitas vezes os milhões de ganhos de alguns têm contrapartida em valores similares de dívidas. Muitas destas operações passam imunes a qualquer controlo ou fiscalização.
A visibilidade dos intervenientes, a sua importância na «nossa» vitória, expresso no nosso imenso clubismo, faz com que nos esqueçamos de comparar o nosso salário de subsistência com a luxuria desse novo-riquismo. Em vez de, pelo menos, nos interrogarmos sobre as diferenças remuneratórias, olhamos com admiração essas figuras «impares», sonhamos o que faríamos em tais circunstâncias e transformamos a dura realidade quotidiana desta sociedade marcada por crescentes diferenças de riqueza em sonhos «cor de rosa».
2. Sabemos que há um imenso trabalho a realizar para debelar a fraude, e o crime, de muitos segmentos do desporto. Todos, com as nossas diferente especializações e saberes seremos poucos para o fazermos.
Para o conseguirmos consideramos fundamental três vertentes:
- A sociedade encare com seriedade estas questões e seja capaz de ultrapassar, em nome da ética, da verdade desportiva e do próprio valor social do desporto as suas paixões clubísticas. Depende de cada um de nós a concretização deste desígnio.
- As instituições responsáveis pela condução do desporto estejam interessadas em debelar tais situações de viciação dos resultados.
- Todos nós não tenhamos receio de mostrar as nossas ignorâncias ꟷ Sócrates, o filósofo grego, ao afirmar «eu só sei que nada sei» revelou a sua grande sapiência e vontade infinita de aprender ꟷ e compreendamos que é o trabalhar com o diferente que nos permite ensinar e aprender, progredir, sermos melhores.
A nossa experiência com os trabalhos realizados sobre a fraude no desporto, mostra que nenhuma destas três condições existem no nosso país.
Continuaremos a trabalhar.