Rute Serra, Visão online
Frequentemente a fraude na obtenção de subsídios europeus está associada à corrupção, entendida como uma ação ou omissão, em abuso de autoridade pública ou com intenção de provocar esse abuso, com o objetivo de obter um benefício indevido. Mas que mecanismos de prevenção e repressão destes crimes existem, seja ao nível nacional ou comunitário?
Num breve esquiço do panorama geral sobre obrigações e responsabilidades, no exercício da política antifraude da União Europeia (EU), importa realçar que o encargo com a proteção dos interesses financeiros da UE contra a fraude e a corrupção é partilhado pela Comissão Europeia e pelos Estados-Membros. Por outro lado, a conceção e execução, da política antifraude da Comissão é atualmente prosseguida pelo OLAF (Organismo Europeu da Luta Antifraude). A partir de 2020 aguarda-se a entrada em funcionamento da Procuradoria Europeia, que será competente para intentar ações penais por crimes lesivos dos interesses financeiros da UE, em 22 Estados-Membros.
Na arquitetura estruturante da política económica e social da UE encontramos quatro princípios comuns aos vários instrumentos jurídico-financeiros que passam pela concentração dos recursos (financeiros) nas regiões menos desenvolvidas, o envolvimento das instituições europeias e nacionais, de modo partilhado, na programação, execução e acompanhamento de ações dos investimentos apoiados, assentes num edifício de governança e num quadro plurianual que assegure segurança e previsibilidade temporal da aplicação dos recursos e a adicionalidade dos fundos estruturais comunitários relativamente às dotações financeiras nacionais para investimento. Sobre a bondade dos princípios, nada a declarar. Se efetivamente se acautela a sua prossecução, há sérias dúvidas.
Desde a adesão de Portugal à UE até 2015, através dos sucessivos quadros comunitários de apoio, com esta ou outra nomenclatura, Portugal beneficiou de mais de 100 mil milhões de euros de apoio estrutural comunitário, a preços de 2014, a que se somam, no âmbito do Portugal2020 mais 25 mil milhões, já transferidos em cerca de ¼ daquele valor. Esta soma representa entre 2 a 3% do produto interno bruto português ao longo destes anos.
Porém, periclita a certeza daquele dinheiro ter sido efetivamente alocado ao sustentado e sustentável desenvolvimento do País, justamente por ser na eficiente gestão do mesmo que as maiores desconfianças surgem. E para tal contribuem os cadenciados anúncios, divulgados amiúde nos meios de comunicação social, de mais alguém, normalmente com responsabilidades significativas na gestão destes fundos, ter sido indiciado pela prática de crime de fraude na obtenção de fundos comunitários. Desde sobrefaturação, apresentação de despesas inelegíveis, conluio com entidades formadoras, apresentação de documentação falsa, relações privilegiadas entre os intervenientes, recusa de pagamento a formandos, são inventivos e tentadoramente lucrativos, os expedientes utilizados para o cometimento do crime. Apesar dos contextos estarem identificados, nem sempre são suficientemente relevantes para a obtenção da condenação do arguido, como se verá adiante.
Frequentemente a fraude na obtenção de subsídios europeus está associada à corrupção, entendida como uma ação ou omissão, em abuso de autoridade pública ou com intenção de provocar esse abuso, com o objetivo de obter um benefício indevido. Mas que mecanismos de prevenção e repressão destes crimes existem, seja ao nível nacional ou comunitário?
O último Relatório Anual de Segurança Interna (RASI2018), indica a abertura de 122 inquéritos, por prática deste crime, sendo que daqueles, apenas 14 findaram com a dedução de acusação pública. Relativamente a 57 inquéritos (quase metade do universo total) foram aqueles liminarmente arquivados. Caberá perceber o que está, de facto, a falhar.
Para evitar o mau uso dos dinheiros públicos europeus, a Comissão desenvolveu uma estratégia operacional de combate à fraude e um sistema de deteção precoce e de exclusão (EDES), que com o apoio de um painel interinstitucional decide sobre a exclusão de operadores económicos do financiamento da EU, devido a fraude ou corrupção.
Note-se que relativamente a empresas portuguesas, a base de dados existente e disponível ao público não devolve quaisquer resultados, o que não deixa de ser curioso, mesmo no país dos brandos costumes.
E assim é, apesar de um relatório especial recente, publicado pelo organismo responsável por controlar a utilização dos fundos da UE, concluir que a Comissão não possui informações abrangentes sobre a dimensão, a natureza e as causas da fraude, para além de nunca ter efetuado qualquer avaliação relativa à fraude não detetada. Por outro lado, também parece não existir uma análise pormenorizada que permita caracterizar os fatores explicativos dos comportamentos fraudulentos de beneficiários dos fundos da UE ou a devida atualização à estratégica antifraude da Comissão, desde 2011.
Em época de reinício de ciclo na Europa e vésperas do fim de mandato do Presidente da Comissão Europeia, fica a nota.